É complicado colocar seres humanos no ambiente controlado de um laboratório para realizar experimentos sociais. E a validade disso é limitada. Quem disse que as escolhas feitas por cobaias na situação altamente artificial de um estudo acadêmico correspondem às escolhas que essas pessoas fariam “lá fora”, no mundo real e sem a consciência de estar sendo observados por um cientista?
Por outro lado, qualquer processo social no mundo real é influenciado por incontáveis fatores que fogem ao conhecimento do cientista, de forma que é muito difícil atribuir causas e, mais ainda, medir seus efeitos.
Felizmente, há jeitos de se contornar essas dificuldades, e é isso que os premiados do Nobel de Economia deste ano —o trio Esther Duflo, Abhijit Banerjee e Michael Kremer— fazem. Aplicam ao estudo da pobreza e do desenvolvimento social algo que já é de praxe na medicina: o estudo randomizado controlado.
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Com financiamento do Banco Mundial, 121 escolas públicas do Quênia puderam contratar um professor extra para a primeira série. Assim, puderam dividir os alunos, que antes estudavam todos juntos, em duas turmas. Surge a pergunta dos pesquisadores: será que dividir os alunos em duas turmas de acordo com seu desempenho (alunos melhores numa turma, piores na outra) daria melhor resultado do que dividi-los aleatoriamente?
Se aplicassem a divisão por nota a todas as escolas, não teriam como saber se ela realmente foi eficaz. Afinal, mesmo que as notas dos alunos melhorassem, seria impossível dizer se isso se deveu à divisão das turmas por notas ou se foi apenas consequência de se reduzir o tamanho das classes e ter um professor a mais.
Aí entra a inteligência dos pesquisadores. De forma aleatória, dividiram as escolas em dois grupos: 61 fizeram a divisão indistinta de turmas e 60 fizeram a divisão baseada no desempenho escolar. O resultado: as escolas que dividiram os alunos em classes de acordo com seu desempenho tiveram resultados melhores, tanto para os alunos de maior rendimento acadêmico quanto para os de menor. Um achado útil para as políticas públicas do país.
O fator crucial aí é a aleatoriedade. Como a separação dos indivíduos (que podem ser pessoas, escolas, cidades etc.) em dois grupos foi feita aleatoriamente, na média eles serão iguais: haverá ricos e pobres, pessoas com boa e má alimentação, escolas com diretores bons e ruins etc. em ambos os grupos.
A diferença nos resultados finais entre os dois grupos terá que ser por causa da intervenção diferenciada, a única coisa que é consistentemente diferente entre um e outro.
Essa abordagem está muito distante da política atual. Em vez de testar diferentes abordagens e usar grupos de controle, aplicamos a mesma política —baseada no achismo— a todos. Há ainda quem ache que seria imoral privar uma parte da população de uma intervenção que visa a melhorar sua vida, apenas para fazer um estudo.
A verdade, contudo, é que o governo já faz experimentos em larga escala. Toda política pública cuja superioridade sobre as alternativas careça de provas (a imensa maioria) é um experimento.
Só não é um experimento útil. Ao invés de cutucar a realidade de maneira planejada para que ela nos entregue resultados, o fazemos com base no achismo indiscriminado, e nada aprendemos. Já somos todos cobaias de políticos.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 15/10/2019