Difícil encontrar alguém que seja contra a liberdade, a justiça, a dignidade ou mesmo a igualdade. São palavras boas, que evocam nossas mais profundas aspirações. Democracia, Constituição e direitos humanos, enquanto expressão institucional desses valores, se beneficiam da carga emocional positiva dessas palavras.
Daí porque, mesmo os mais sanguinários autocratas, elaboram constituições, denominam seus regimes democráticos e se negam a reconhecer violações aos direitos humanos. Abjurar esses valores seria como negar a própria ideia de bem.
Paradoxalmente, não é isso que tem acontecido no Brasil em relação aos direitos humanos. É o que sugere a pesquisa do Instituto Ipsos.
Entre os 28 países pesquisados, os brasileiros estão entre aqueles que demonstram maior desconfiança e estranhamento em relação aos direitos humanos. Para 60% dos entrevistados os direitos humanos apenas protegem pessoas que não merecem, como criminosos. No mesmo sentido, os brasileiros se encontram entre aqueles que menos associam a ideia de direitos humanos à criação de uma sociedade mais justa.
Esses dados ajudam a entender por que expressões como: “bandido bom é bandido morto”, “estupra, mas não mata”, “coisa de preto”, se tornaram de uso comum entre nós.
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Também permitem entender por que um candidato à Presidência da República está atraindo uma parcela do eleitorado ao dizer frases como: “O erro da ditadura foi torturar e não matar”, “seria incapaz de amar um filho homossexual. Prefiro que um filho meu morra num acidente do que apareça com um bigodudo por aí”, ou “mulher deve ganhar menos porque engravida”.
A questão é por que tantas pessoas no Brasil têm uma percepção negativa sobre direitos que, em realidade, têm por função assegurar a todos, sem distinção, a liberdade, a dignidade, a igualdade e a justiça? Diversas são as explicações.
A primeira delas, de natureza mais cultural, está associada à dificuldade dos brasileiros, especialmente dos homens brancos, de reconhecer a ideia de que todos são merecedores de igual respeito e consideração.
Como nossa sociedade se estruturou a partir de uma forte hierarquização de raça, classe e gênero, é muito difícil aceitar que negros, pobres ou mulheres reivindiquem ser tratados como iguais. Nasceram para servir.
De outro lado, a manutenção da ordem numa sociedade tão desigual depende em grande medida do uso abusivo da força. Como o Estado brasileiro nunca foi capaz reformar seu sistema de segurança pública arcaico, autoritário e ineficiente, assegurando a paz social, busca-se transferir a conta deste fracasso do poder público aos direitos humanos e aos seus defensores. É chocante ver pessoas que se dizem liberais abraçar o discurso da bala.
O discurso de ataque aos direitos humanos, ora vocalizado por Bolsonaro (PSL), também é, por outro lado, uma reação aos avanços e conquistas derivados de nossa democracia constitucional.
O reconhecimento de maior respeito às mulheres, negros, indígenas, crianças ou LGBTs gera um enorme ressentimento por parte daqueles que se veem ameaçados por essa nova sociedade, mais plural e inclusiva.
O que está em disputa nessa eleição é se queremos dar continuidade ao processo de fortalecimento da democracia e desenvolvimento de nossa sociedade, iniciado em 1988, ainda que marcado por percalços, ou se setores da sociedade se deixarão iludir pelo canto mortal do autoritarismo e do retrocesso social.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 18/08/2018