O Brasil vive uma pequena lua de mel com o governo eleito. Do lado econômico, as nomeações colocam pessoas que têm clareza das prioridades para tirar o país da crise e voltar a crescer de maneira substancial. Na percepção popular, o contraste entre o debelo de esquemas de corrupção em São Paulo e no Rio de Janeiro, de um lado, e a ideia do superministro Sergio Moro tomando medidas para acabar com a corrupção e o crime organizado, do outro, fazem acreditar que dias melhores virão. Se é que o amadorismo, a disputa de vaidades e a franca burrice de alguns da equipe e da família presidencial não colocarão tudo a perder.
Inegavelmente, o Brasil que Bolsonaro herda é um Brasil que já está em processo de recuperação. Nisso, deveríamos ser gratos ao Presidente Temer, que assumiu o comando do país desacreditado e com uma violenta oposição. Sem alarde e sem palavras vazias, conseguiu aprovar medidas importantes para recolocar o Brasil nos eixos: o teto de gastos, a reforma trabalhista; o fim da TJLP; a lei das estatais; a lei da desburocratização.
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Temer colocou nas pastas econômicas o primeiro escalão da inteligência nacional. Ilan Goldfajn, Henrique Meirelles, Pedro Parente, Eduardo Guardia. Graças a esse time, a inflação, que com Dilma já estourava o teto da meta, voltou a cair. Os juros puderam ser reduzidos; a economia voltou a crescer; e, mais importante para a população, o desemprego também. O crédito volta a circular, o endividamento de famílias e empresas está menor, a capacidade ociosa é alta.
A recuperação é lenta, mas é real. O otimismo não vai, contudo, durar para sempre. O cenário externo no ano que vem não deve nos favorecer. Com a economia aquecida, o banco central americano pode elevar os juros, o que nunca é bom para um mercado mais arriscado e instável como o nosso. Além disso, diversos bancos centrais ao redor do mundo devem começar a reduzir seus balanços, o que reduzirá a liquidez global. E o Brasil ainda precisa de muita lição de casa para se tornar tão atrativo aos investimentos internacionais quanto outros países emergentes. Por isso mesmo a oportunidade não pode ser perdida.
O último presente que Temer deixa é a reforma da previdência, já preparada para ser votada na Câmara. Não fosse o escândalo artificial da gravação do Joesley, é provável que o presidente a tivesse aprovado. Do jeito dele: isto é, dando aqui para receber ali.
Bolsonaro se comprometeu a não fazer “toma lá, dá cá”. Como ele pretende, portanto, aprovar uma reforma impopular e de pouca aceitação no Congresso como a reforma da previdência? O apoio popular, inclusive nas ruas, pode ser um fator para pressionar um Congresso recalcitrante a aprovar as reformas legislativas de Sergio Moro no combate à corrupção. Mas dificilmente as massas irão às ruas exigir uma previdência menos generosa. Lembremos que o bom trabalho de Temer na economia gerou apenas impopularidade.
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As nomeações de Bolsonaro atendem a claros interesses de bancada: os ruralistas têm sua ministra (controlarão também o meio-ambiente?), os evangélicos tiveram seus interesses contemplados na Educação e devem ficar com os direitos humanos; o Democratas já tem três ministros; os militares têm quatro; o MDB, um. Algo foi combinado como contrapartida? Ou Bolsonaro, ao negar o “toma lá dá cá”, praticou simplesmente o “toma lá” – entregou o Brasil a grupos de interesse simpatizantes sem com isso avançar nenhuma agenda mais difícil para o Brasil?
Não existe política sem negociação. Temer aceitou pagar o preço da popularidade para deixar um legado positivo ao Brasil. O Brasil lhe agradece. Mas o passo crucial precisará ser dado pelo governo Bolsonaro. Sem tem alguém que pode contar com apoio de policiais e militares, é ele, e por isso mesmo poderá incluí-los numa possível reforma da previdência. Resta saber se terá o espírito cívico para abandonar o discurso eleitoreiro de não negociar, “sujar as mãos” e fazer aquilo que, na cabeça do eleitorado, é quase um crime: política.
Fonte: “Exame”, 30/12/1993