Jair Bolsonaro, o presidenciável do PSL, declarou neste último sábado que o Brasil deixará a Organização das Nações Unidas (ONU) se ele ganhar as próximas eleições. Foi sua resposta ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, o qual recomendou que o país permitisse a participação do ex-presidente Lula no mesmo pleito.
“Se eu for presidente eu saio da ONU. Não serve pra nada essa instituição”, disse ele após cerimônia de formatura de cadetes na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). “Sim, saio fora, não serve pra nada a ONU. É um local de reunião de comunistas e gente que não tem qualquer compromisso com a América do Sul pelo menos”, concluiu.
A inspiração de Bolsonaro pode ter sido a decisão de Donald Trump, que em junho último retirou os EUA do mesmo conselho. Antes, em outubro de 2017, Trump havia decidido sair de outro órgão da ONU, a Unicef. Em ambos os casos, a razão básica foi um suposto preconceito contra Israel. Os americanos nunca cogitaram sair da ONU.
O Brasil é membro fundador da ONU e fez história quando, em 1948, nosso chanceler Oswaldo Aranha presidiu a reunião da Assembleia Geral que aprovou a criação do Estado de Israel. A disparatada ideia de sair da ONU exigiria aprovação do Congresso, o que dificilmente ocorreria, dado o absurdo da proposta.
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A medida implicaria abandonar todos os órgãos da ONU, muitos dos quais são de alto interesse para o país. Basta mencionar o Banco Mundial, a Corporação Financeira Internacional (IFC, na sigla em inglês), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo da Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla em inglês), entre outras.
O Brasil renunciaria ao acesso a fontes de financiamento externo mais baratas e de longo prazo. Deixaria de participar das decisões sobre comércio mundial, perdendo o direito de acionar a OMC para defender-se contra políticas desleais aos nossos produtos. Não mais contaria com a assistência do FMI para enfrentar eventuais crises do balanço de pagamentos. Não se beneficiaria dos debates e do conhecimento gerado em órgãos como a OMS, a OIT e a FAO. E por aí afora.
O Brasil seria o primeiro país a adotar tão tresloucada ideia. Rapidamente se tornaria um pária na comunidade de nações. Seria a estratégia oposta à adotada pelo China, que não somente faz parte da ONU desde sua fundação, sendo um dos cinco países com poder de veto, como desenvolveu, no início deste século, intenso esforço para ser aceita na OMC, o que conseguiu.
Se for eleito presidente, Bolsonaro dificilmente levaria adiante sua proposta. Talvez ele tenha desejado afirmar que abandonaria o Conselho de Direitos Humanos, a exemplo do que fez Donald Trump. Seja como for, sua afirmação mostra a ausência de mínima familiaridade com questões internacionais relevantes.
Fonte: “Veja”, 20/08/2018