Uma das principais promessas de Jair Bolsonaro é zerar o déficit fiscal brasileiro. O futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, declarou na campanha que seria possível fazer isso já no primeiro ano de governo, pondo em prática uma onda inédita de cortes e privatizações.
Intenção louvável, mas impraticável, segundo afirmou ontem o diretor da Instituição Fiscal Independente, o economista Felipe Salto. Em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Salto afirmou que apenas em 2023 as contas poderão voltar ao azul.
A previsão para este ano é otimista. Em vez dos R$ 159 bilhões de déficit primário previstos no Orçamento, o país deverá fechar o ano R$ 139 bilhões no vermelho – ou até melhor, pois os ministérios não estão conseguindo realizar despesas já autorizadas da ordem de R$ 17 bilhões. Para 2019, a estimativa é um déficit abaixo de R$ 100 bilhões.
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A proibição de que os gastos do governo subam acima da inflação exigirá cortes estimados em R$ 149 bilihões nos quatro anos do governo Bolsonaro, ou 0,5% do PIB por ano. Mas nem os cortes realizados para cumprir a lei do teto de gastos são suficientes para o Brasil voltar ao azul.
Os números compilados pela IFI dão uma dimensão do tamanho do ajuste fiscal necessário para o país voltar ao azul. Depois de chegar a 2,5% do PIB, o déficit primário diminuiu para 1,7% em 2017, mas voltou a crescer este ano, para 2,1%. A expectativa é que, no ano que vem, diminua de novo para 1,8% e seja reduzido paulatinamente nos anos seguintes, como mostra o gráfico:
Zerar o déficit primário envolve não apenas o controle de despesas discricionárias, que correspondem a apenas 6% do Orçamento. O custeio administrativo, estimado em R$ 21 bilhões, é irrisório diante de despesas orçamentárias superiores a R$ 1,3 trilhão. Também não adianta apenas economizar gastos reduzindo ministérios, cujo custo está em torno de R$ 110 bilhões – e cairia a até uns R$ 75 bilhões.
Para cortar para valer, é preciso adotar medidas de caráter estrutural, como a redução de gastos com o funcionalismo e, sobretudo, a reforma da Previdência. Sem esse tipo de medida, que exige negociação política e apoio no Legislativo, será impossível ao governo Bolsonaro tirar o Brasil de perto do abismo fiscal.
Ao longo dos anos em que vigorou a Nova Matriz Econômica implantada pelos governos petistas, a dívida pública brasileira saltou de 56% do PIB (2008) para 70% (2016). Deverá fechar 2018 em 76,3%, segundo a IFI.
Somando o pagamento de juros ao déficit primário, o resultado nominal das contas públicas ficou mais de 10% no vermelho em 2015. Neste ano, a previsão é de que ainda fique em 7,3% negativos. Até 2022, melhorará apenas até 6,5% negativos, mais que o triplo do déficit em 2008.
A IFI fez simulações de quanto deveria ser o superávit primário – aquele que só conseguiremos atingir depois de 2023 – para manter a dívida pública estável. Supondo juros em torno de 4,3% e crescimento econômico de 2,2% ao ano, seria necessário que as contas do governo estivessem mais de 1,7% do PIB no azul depois de 2023 para que ela ficasse no patamar estimado para aquele ano (84% do PIB).
Variações de juros para cima ou do crescimento para baixo, resultados esperados da crise que se avizinha no cenário internacional, exigiriam um esforço fiscal ainda maior para controlar a dívida, com superávits primários entre 3% e 5% do PIB.
Não é absurdo, num cenário pessimista traçado pela IFI, imaginar que poderemos chegar a 2023 com uma dívida pública beirando 100% do PIB. Para a confiança do mercado no Brasil, isso equivaleria a uma catástrofe. Evitá-la será a principal missão de Bolsonaro e Guedes.
Fonte: “G1”, 21/11/2018