Já virou clichê dizer que os primeiros meses de Bolsonaro devem entrar para a história como alguns dos piores de um presidente em início de mandato. Entre tantas turbulências políticas e tentativas de guinadas radicais em áreas como as relações exteriores, vemos a parte econômica praticamente atada à reforma da Previdência. Em que pese sua importância e a salvação de ter o Congresso consciente de sua necessidade, começa a surgir no horizonte uma dúvida maior sobre os próximos anos.
O cenário internacional cada vez mais tem jogado contra boas perspectivas nos próximos anos. A guerra comercial entre EUA e China é apenas o começo de escaramuças maiores na área econômica que vão colocar os dois países em disputa permanente daqui pra frente.
A China não é o Japão dos anos 80 que aceitou tacitamente valorizar sua moeda sob pressão americana, originando os problemas que infligem os japoneses até hoje. Pelo contrário, a resposta chinesa pode ser mais desvalorização, o que é deflacionário para o mundo, mas pode colocar os EUA mais agressivos em reposta a esse passo. Pode ser que americanos e chineses tenham entrado em um ponto sem volta de sua guerra econômica, em um momento em que ambos presidentes precisam mostrar vitórias internas.
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No caso de Ji Xinping porque o total controle do Partido Comunista também pressupõe que ele entregue resultados, que aqui são lidos como crescimento pelo menos acima de 6%. Aprofundar a guerra comercial poderá cortar crescimento para baixo de 6% em 2020 pela forte dependência de exportação da China para os EUA. No caso de Trump porque a eleição é ano que vem e um de seus cavalos de batalha na campanha eleitoral foi a China. Ter que ceder aos chineses pode parecer eleitoralmente arriscado do ponto de vista de Trump.
Aumentos generalizados de tarifas podem levar à pressão de custos, queda de bem-estar e de comércio que podem diminuir o crescimento mundial em 2019 e 2020. As perspectivas já não eram tão positivas e parecem só piorar. Paradoxalmente, para os EUA a aplicação de tarifas pode fazer com que o dólar aprecie e ajude a manter a inflação sob controle no curto prazo, dando mais falsas justificativas para o governo americano.
Mas os problemas nos EUA apenas aumentam com a taxa de desemprego muito baixa e o crescimento econômico ainda robusto. Parece que estamos nos EUA do final dos anos 60, que tinham uma economia superaquecida, com as políticas fiscal e monetárias estimulativas e choques no mercado de petróleo que acabaram por levar à estagflação dos anos 70 com um Banco Central muito leniente.
Trump é muito mais inapetente politicamente do que Nixon e isso causa apreensão, pois os problemas naquele momento eram de condução de política econômica doméstica. A outra superpotência, a União Soviética, não era competidor de fato como depois vimos. Agora, a China é muito mais desafiadora economicamente para os EUA do que a União Soviética foi um dia.
Essa disputa crescente tende a levar a aumento permanente de incerteza e crescimento mais baixo durante mais tempo. Não nos custa lembrar aqui que a Argentina, parceiro comercial importante do Brasil, parece que se manterá em crise por mais alguns anos, especialmente se uma oposição economicamente irresponsável vencer as eleições, como pode ser o caso se Cristina Kirchner ganhar.
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Nesse cenário internacional nada amigável, o cenário doméstico mais tende a atrapalhar do que a ajudar. O governo tem dado sinais claros de que permanecerá turbulento na negociação com o Congresso. Tirando a reforma da Previdência, que o Congresso entende como sendo o mínimo que o país precisa, o governo Bolsonaro parece que seguirá sofrendo derrotas contínuas. A reforma tributária parece ser desejo do Congresso também, está madura para acontecer, mas fora isso algo mais poderá avançar?
Coloco aqui a dúvida se mesmo com a reforma da Previdência teremos um mínimo necessário de tranquilidade para voltar a crescer. Nossas estimativas de crescimento para 2020 tem baixado e agora se encontram em 2%, depois de a economia crescer pouco mais de 1% este ano, e isso mesmo com a reforma sendo aprovada.
A questão aqui é que o investimento, para acontecer, também depende de um clima político amigável, que permita que pautas econômicas avancem no Congresso e que se consiga diálogo com o Supremo para se evitar medidas equivocadas como a do crédito prêmio do IPI, por exemplo. À insegurança jurídica crescente dessa falta de interlocução temos a insegurança política de um governo que insiste em não querer governar. Bolsonaro infelizmente cada vez mais se parece com Jânio Quadros em seus piores momentos quando se preocupa com a exportação de bananas e abacates para os vizinhos.
Segue sendo verdade que aos trancos e barrancos as reformas estão sendo feitas, como a lei de liberdade econômica e a sanção presidencial do cadastro positivo, mas pode ser que o crescimento volte apenas quando houver maior segurança política.
É um pouco o risco que se vivia no segundo mandato de FHC, guardadas as devidas diferenças, quando diversas reformas econômicas estavam em andamento, como a Lei de Responsabilidade Fiscal e o tripé macroeconômico, mas dificuldades políticas oriundas da crise cambial e do apagão mataram politicamente seu governo. Quando Lula manteve por apenas alguns anos as reformas que FHC iniciou o crescimento começou a aparecer.
Talvez estamos em momento semelhante, que dependerá do próximo presidente, se ele for mais estável politicamente, para vermos o país voltar a crescer. O problema maior é que muitas empresas pode ser que não aguentem anos adicionais de crescimento muito baixo e entrem em recuperação judicial.
Bolsonaro parece ser um governo de transição e não de renovação efetiva e não sabemos se na sequência teremos algo melhor.
Fonte: “Exame”, 16/05/2019