O presidente Jair Bolsonaro começa, em sua relação com o Congresso Nacional, a pagar o preço de sua retórica antipolítica durante a campanha eleitoral.
Não construiu uma base parlamentar, enviou projetos acreditando na lorota das “bases temáticas” e agora terá de ceder espaço e cargos no governo em troca de apoio.
O resultado é que seu governo está nas mãos do Congresso. A recusa de Bolsonaro em jogar o jogo da política transformou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, no nome mais poderoso em Brasília.
Tal realidade fica evidente acompanhando o noticiário político das últimas semanas. Na primeira votação de interesse do governo, sobre o projeto que ampliava o poder de restringir acesso a informações do Estado, Bolsonaro foi derrotado por um placar acachapante, sem obter todos os votos nem em seu próprio partido.
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Assim que recebeu a proposta de emenda constitucional da reforma da Previdência, Maia tratou de deixar claro que ela não andará enquanto não for encaminhado o texto sobre a aposentadoria e pensão dos militares, até agora sem consenso no governo.
A ação de Maia levou o ministro Sérgio Moro a fatiar seu projeto de legislação contra o crime, acreditando que separar o trecho sobre o caixa dois eleitoral facilitaria a tramitação. Agora os parlamentares querem condicioná-la à aprovação do pacote contra o abuso de autoridade, parado desde 2017, que restringe o trabalho de juízes e promotores.
Sem base no Congresso, Bolsonaro se vê refém de lideranças partidárias que ameaçam convocar ministros para depoimentos de apelo midiático, enquanto não forem satisfeitas suas demandas por cargos e no governo.
Discretamente, o Planalto até já criou um sistema para indicação de nomes no segundo escalão. Mas os parlamentares simplesmente não sabem quem no governo tem autoridade para bancar as promessas.
Bolsonaro não tem articulação política estabelecida. Rifou dois candidatos ao posto – o ex-ministro Gustavo Bebianno e o senador Renan Calheiros, que ensaiava uma aproximação. Formalmente, o governo dispõe do ministro Onyx Lorenzoni. Mas ele nem chega perto de Maia, seu desafeto, em poder e influência na Câmara. Para a reforma da Previdência, o ministro Paulo Guedes nomeou seu próprio articulador, o ex-deputado Rogério Marinho.
As lideranças governistas caíram nas mãos de deputados inexperientes, sem credibilidade aos olhos de um plenário sedento por espaço e cargos no governo. Simplesmente não há para onde correr nem nas demandas mais simples. Um mês depois da posse da nova legislatura, não estão constituídas as comissões nem a mesa diretora da Câmara.
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Quem tem vários articuladores políticos, na prática não tem nenhum. Diante desse vácuo, Maia emergiu como único viável. Poderá funcionar em casos pontuais de interesse comum. Mas sua posição diante da reforma da Previdência demonstra que tem agenda própria.
Os acólitos do presidente que criticam qualquer tipo de concessão aos parlamentares em nome do combate à corrupção e à velha política do “toma lá, dá cá” esquecem que a negociação está na essência da política.
A democracia dispõe de mecanismos legítimos para divisão do espaço no governo, sem necessariamente implicar roubalheira. Foi o desprezo por tais mecanismos que levou ao mensalão e ao petrolão. Com uma visão minoritária no Parlamento, refratário a ceder espaço pelos meios legais, o PT tentou resolver a questão distribuindo dinheiro, com os resultados conhecidos.
O partido de Bolsonaro, ao contrário, está bem mais perto da média do Parlamento e da sociedade brasileira do que estava o PT. Nem sacrificaria tanto seu projeto político cedendo cargos e poder no governo para construir uma base parlamentar. Inexplicavelmente, resiste.
Os dois primeiros meses do governo Bolsonaro foram tomados por crises desnecessárias e pela dinâmica improdutiva de provocações que rendem cliques nas redes sociais – dos disparates sobre a cor dos trajes infantis à controvérsia em torno do hino nacional.
A cada patacoada, a cada isca lançada à imprensa, a cada tuíte para gáudio dos bolsonaristas empedernidos, fica mais clara a principal deficiência deste governo. Bolsonaro acredita ter o poder de criar uma nova política, enquanto vai sendo tragado pela velha. Seu sucesso está hoje inteiramente nas mãos de Rodrigo Maia. Que ambos se entendam, para o bem do Brasil.
Fonte: “G1”, 28/02/2019