O presidente Jair Bolsonaro tem se destacado por arroubos de oratória, para dizer o mínimo, que não são condizentes com a agenda reformista que o país precisa. Desde a intromissão na reforma da previdência para agradar os policiais militares até a decisão unilateral de indicar seu filho para a embaixada americana, o que se vê é um presidente que mantém o viés de confronto que sempre foi sua marca. Nada arrefeceu depois que virou presidente.
Não é exclusividade nossa. Tanto Trump nos EUA, quando Orban na Hungria, Duterte nas Filipinas e agora Johnson no Reino Unido usam da agressividade e do ataque ao diferente para governar. Esse populismo clássico que fala direto às massas fica mais intragável quando se vê que boa parte desse populismo é reacionário, querendo de certa forma voltar a um passado idílico de ordem e progresso em que o diferente não tinha voz. Causas modernas como a questão ambiental fica difícil de avançar para uma turma, que ainda bem em pequena parte, acredita na Terra plana e que o homem não foi à Lua.
Esse populismo é perigoso, pois em economia falar às massas implica política econômica potencialmente da mesma forma. Muitas vezes políticas positivas não são aquelas que agradam às massas de imediato, como tem sido o caso da reforma da previdência aqui no Brasil ou em qualquer lugar. Com isso, muito pode ser feito para se estimular a economia a qualquer custo no curto prazo, mas com efeitos deletérios no longo prazo.
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Isso é ainda mais fácil de acontecer em democracias em que a maioria do Congresso acompanha o presidente, como foi o curto período em que Trump dominou as duas casas legislativas americanas, ou no caso de democracias mais frágeis como a húngara em que o presidente tem maioria folgada no Legislativo.
Essa discussão se torna válida em um momento em que as falas do presidente Bolsonaro começam a causar apreensão sobre as possíveis consequências na economia. No curto prazo, o populismo de comum acordo com o Congresso permite crescimento econômico, mas com potenciais riscos de longo prazo. Vide o estrago fiscal que Trump tem feito aos EUA e o que Boris Johnson causará se optar por saída abrupta da União Europeia.
No caso brasileiro, Bolsonaro decidiu não se meter muito na agenda econômica. Quando tentou, o estrago foi certo, como no caso do aumento suspenso do preço dos combustíveis em março. Ao optar por deixar a economia no geral para quem entende, ao menos nos livramos de muitas intervenções desnecessárias que poderiam acontecer. Obviamente isto é ajudado pelo fato de que Bolsonaro tem baixo controle sobre o Congresso, para o qual Rodrigo Maia virou liderança de fato.
Mas sua ingerência em questões ambientais, além de afetar a imagem do país, pode trazer questões econômicas graves no futuro. Para além do próprio efeito climático de uma diminuição acelerada da floresta amazônica, os acordos comerciais podem correr risco de avançar se o governo continuar insistindo em negar os fatos. Não será difícil ver pressão de países europeus e o Japão no futuro contra um acordo com um país que fere frontalmente o equilíbrio ambiental futuro do mundo. Claro que parte do arroubo francês contra o acordo comercial coloca as questões ambientais como relevantes, mas tendo os agricultores franceses como razão maior. O fato é que a questão ambiental poderá ser abertamente usada para se conseguir mais vantagens pelos futuros parceiros comerciais.
A questão difusa maior é que Bolsonaro afeta o soft power brasileiro como nenhum outro presidente o fez no passado. Há riscos para a economia de um choque como esse? Em estudo recente apresentado no National Bureau of Economic Reearch em janeiro deste ano, Andrew Rose tentou estimar o impacto do soft power no comércio entre países. Seu estudo mostra que a liderança negativa de um presidente pode impactar negativamente o comércio entre dois países. O artigo empírico é de caráter geral, mas sua avaliação tentou buscar efeitos estimados da eleição de Trump no comércio americano. O efeito parece ser pequeno, mas abre espaço para potenciais impactos econômicos de comportamentos subjetivos como a simples existência de um presidente com baixa imagem externa.
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O efeito será ambíguo de qualquer maneira, pois a melhora esperada na economia com a agenda reformista encaminhada tende a aumentar o soft power brasileiro pelo simples aumento do PIB per capita brasileiro. Em estudo por mim realizado estimei que o aumento do PIB per capita em 1% aumenta em 0,2% o ranking de soft power calculado pelo site http://www.softpower30.com. Mas de forma mais interessante ainda, países com PIB per capita muito volátil tendem a diminuir o soft power ao longo do tempo. Para cada 1% de aumento de volatilidade o soft power cai em 0,3%. Instabilidade econômica leva a perda de imagem externa, o que de fato aconteceu ao longo do período Dilma, por exemplo.
No limite, é difícil calcular o impacto de longo prazo de presidentes como Bolsonaro em que ao menos a agenda econômica segue o rumo reformista atual. Os resultados ambíguos na verdade ao camuflar os efeitos negativos do presidente podem fazer com que ele ganhe força. São resultados que lembram muito o ex-presidente peruano Alberto Fujimori, que depois de um golpe seguido de agenda reformista acabou durando muito mais do que deveria pelo suporte dado pela economia.
Não se quer dizer aqui sobre nenhuma tentativa de golpe por Bolsonaro, mas que a força na economia pode chancelar efeitos no Congresso e na sociedade em seu apoio que até agora não apareceram.
Fonte: “EXAME”, 05/08/2019