As manifestações de domingo trouxeram o presidente Jair Bolsonaro para a realidade dura e necessária da política. Depois de meses de incerteza, é louvável que tente enfim estabelecer pontes com os demais poderes e fazer andar suas pautas no Congresso. A dúvida, claro, é se dará certo.
Duas atitudes tomadas ontem por Bolsonaro demonstram sua tentativa de dançar o minueto da política. Primeiro, convocou os presidentes da Câmara, Senado e Supremo Tribunal Federal (STF) a um café da manhã em que se comprometeram a firmar um “pacto pelo Brasil”.
Em princípio, constarão do documento, cuja assinatura está prevista para o próximo dia 10, o apoio às reformas da Previdência e tributária, a revisão do pacto federativo, medidas de desburocratização e a criação de políticas de combate a crimes, corrupção e privilégios.
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Óbvio que um pedaço de papel não tem, por si só, o poder de tornar tudo isso realidade. Há um clima de desconfiança no ar, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, afirmou que precisará consultar as lideranças partidárias antes de assinar qualquer documento. Ainda assim, fez-se um gesto de reaproximação entre o Executivo e os demais poderes.
A segunda atitude de Bolsonaro foi a assinatura de um segundo pedaço de papel. Ele enviou ao Senado uma mensagem solicitando que a Medida Provisória (MP) da reforma ministerial fosse aprovada da forma como viera da Câmara, sem a transferência ao Ministério da Justiça do organismo responsável por investigações financeiras, o Coaf.
Decisivo nas investigações de todos os escândalos recentes de corrupção, o Coaf é considerado pelo ministro Sérgio Moro uma peça estratégica para implementar seus planos. Mesmo assim, Moro aceitou assinar o papel, ao lado dos ministros da Economia (a que o Coaf continua subordinado), da Casa Civil e do próprio presidente.
A mensagem forneceu o álibi de que os senadores do próprio partido de Bolsonaro precisavam para votar a favor da manutenção do Coaf na pasta da Economia. Caso o Senado o transferisse à Justiça, a MP teria de passar por nova votação na Câmara e poderia caducar. Em vez disso, foi aprovada ontem à noite por 70 votos a 4.
Entre correr o risco de voltar a ter 29 ministérios e frustrar os planos de Moro, Bolsonaro preferiu a segunda alternativa, ainda que em desafio ao que exigiam as manifestações do último domingo. Mais uma vez, tomou uma atitude política sensata, contrariando a opinião dos seus partidários mais aguerridos e barulhentos.
O Coaf não deixará de funcionar por continuar onde está. Idealizar uma disputa de poder e idolatrar Moro pode funcionar nas ruas. Não no mundo real, em que concessões são exigidas para levar adiante os projetos de interesse do governo.
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Fosse um governo normal, é evidente que não precisaria apresentar à opinião pública nem aos parlamentares um documento atestando a própria unidade política. Os líderes governistas no Congresso se encarregariam das concessões necessárias. Na falta de articulação e base partidária, o jeito foi improvisar.
Deu certo, mas, no atual clima de desconfiança, é necessário manter um pé atrás. Não sabemos até quando dura o gesto pacificador de Bolsonaro. Nem se ele desistiu de demonizar as negociações e concessões inerentes à política para, enfim, começar a governar.
Mesmo assim, é preciso reconhecer a mudança de postura. Bolsonaro parece enfim entender que política se faz conversando. Independentemente do resultado da sua proposta de pacto – em geral, esse tipo de iniciativa costuma dar rigorosamente em nada –, estender a mão e convidar ao diálogo é sempre melhor que provocar os desafetos com tuítes ou frases de efeito.
Fonte: “G1”, 29/05/2019