Os primeiros passos do presidente eleito Jair Bolsonaro confirmam, em geral, as visões otimistas formadas com sua vitória. Os nomes anunciados para o seu ministério têm agradado, salvo, talvez, a indicação do futuro ministro das Relações Exteriores. Trata-se de um diplomata de carreira bem-conceituado, mas com ideias que, se adotadas, significariam confiar o comando da área a um Celso Amorim com o sinal trocado.
A dúvida ainda é política. Bolsonaro mantém até agora a promessa de campanha de não negociar cargos. Isso também agrada, pois muitos se revoltaram com a degradada relação dos governos do PT com o Congresso. A coalizão petista se caracterizou pela cooptação de parlamentares via esquemas de corrupção. A estratégia de Bolsonaro alimenta esperanças de que ele poderá governar sem uma coalizão formal.
Não há exemplos disso no Brasil nem em democracias multipartidárias como a nossa. Governos minoritários que dependem do Parlamento para aprovar seu plano do governo, precisam formar uma coalizão majoritária. É hoje assim na Alemanha e no Reino Unido.
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Diz-se que Bolsonaro governará com o apoio de três frentes parlamentares: dos evangélicos, da agricultura e da segurança. Acontece que o normal é governar com apoio de uma base composta por partidos. As frentes não dispõem de prerrogativas como as de conduzir votações, solicitar a entrada de projetos em pauta, requerer verificação de quórum e outras, que são fundamentais. Os líderes da coalizão integram o Colégio de Líderes, que discute questões regimentais e definição de pautas nas duas Casas do Congresso.
Tem sido assim no modelo clássico do presidencialismo de coalizão, o qual não se confunde, ao contrário do que muitos pensam, com mecanismos que levam à corrupção. FHC e Temer, os dois maiores reformistas depois da queda do regime militar, governaram com coalizões formais e de acordo com essa realidade. Não se tem notícia de que, nessas duas administrações, o compartilhamento do poder tenha dado lugar a casos de corrupção.
As frentes parlamentares se unem em torno de questões corporativas, mas não necessariamente em favor de temas polêmicos como as da instituição de idade mínima para aposentadoria e do ataque aos privilégios dos servidores públicos, os quais, por sinal, dispõem de uma numerosa bancada no Congresso.
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A recusa em se curvar à realidade política e em formar uma coalizão pode limitar a capacidade do novo governo de aprovar as reformas estruturais, particularmente a da Previdência e a tributária. Sem elas, não se confirmarão as expectativas positivas em relação ao governo Bolsonaro.
O presidente eleito tem que enfrentar e resolver dois desafios. Primeiro, mostrar que tem condições de governabilidade para aprovar seu plano de governo. Segundo, influenciar a escolha dos próximos presidentes da Câmara e do Senado, que são peças chaves para levar adiante a agenda de reformas. Essas questões continuam em suspenso.
Fonte: “Veja”, 22/11/2018