A economia americana está aquecida, com crescimento previsto para 3% este ano e desemprego abaixo de 4%. Em virtude da situação nas contas públicas, porém, o presidente Donald Trump congelou ontem o salário dos funcionários públicos, cancelando o aumento aprovado pelo Senado: 1,9% ante uma inflação de 4% desde o último reajuste, no final do governo Barack Obama.
Parece que o presidente Michel Temer, pato-manco em fim de mandato, decidiu se inspirar em Obama. Ele incluiu, no Orçamento do ano que vem, uma bomba para o sucessor. Enquanto todos estão de olho na eleição, alterou a proposta de Orçamento enviada ao Congresso para cancelar a suspensão dos reajustes do funcionalismo público no ano que vem.
Isso significa que os juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) terão o aumento que se autoconcederam, de 16,4%. Outras 23 carreiras receberão entre 4,75% e 6,65% a mais no contracheque.
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O reajuste escandaloso do STF
O impacto apenas do reajuste daqueles cujo salário está atrelado ao dos ministros do STF é estimado em R$ 1,1 bilhão em 2019 no governo federal, mais R$ 2,5 bilhões nos judiciários e ministérios públicos estaduais. Fora isso, os demais aumentos terão impacto de R$ 6,9 bilhões.
Em troca, Temer obteve a promesa do STF de cancelar o auxílio-moradia mensal de R$ 4,3 mil concedido a algo como 17 mil juízes e 13 mil procuradores, graças a uma liminar de 2014 do ministro Luiz Fux que ainda aguarda o julgamento no plenário da Corte. Mesmo assim, o Judiciário federal estourará o teto de gastos em R$ 1,8 bilhão, segundo levantamento da Câmara.
Ao contrário do funcionalismo americano, a quem o próprio Senado queria conceder reajuste inferior à inflação, o servidor público brasileiro vem registrando, na média, sucessivos ganhos superiores à alta nos preços. Foram três anos sucessivos de aumento real: 6,5% em 2017, 2,3% em 2018 e 4,4% em 2019. Para comparar: a renda média do brasileiro cresceu, também em termos reais, 2,4% em 2017 e 1,1% até o segundo trimestre de 2018.
Pelos valores submetidos por Temer para o Orçamento de 2019, a folha de pagamento do governo terá crescido de R$ 277,3 bilhões, em 2016, para R$ 315 bilhões. Para compensar, o valor destinado pelo governo a investimentos sofrerá queda de R$ 30 bilhões na previsão para o ano que vem, somando apenas R$ 94 bilhões.
O reajuste concedido ao funcionalismo contribui para agravar ainda mais a dramática situaçao fiscal que o próximo presidente da República herdará de Temer, com déficits previstos, como proporção do PIB, de 2,3% em 2018, 1,8% em 2019, 1,4% em 2020 e 0,8% em 2021.
O eleitor pode esquecer as promessas de zerar o déficit em um ano (Jair Bolsonaro) ou dois (Geraldo Alckmin e Ciro Gomes). Ou as de aumento de gastos em educação, saúde ou infra-estrutura. Somando a folha de pagamento do setor público (3,5% do PIB) aos gastos com a Previdência (14%), obtém-se quase metade de tudo o que o governo gasta. Diante dos gastos crescentes, isso é simplesmente impossível.
Até 2021, a previsão é que a dívida pública salte de 76% para 81% do PIB, segundo os critérios do governo. O Fundo Monetário Internacional (FMI), que usa critérios distintos e estimou o endividamento brasileiro em 84% em 2017, não acredita que essa proporção vá recuar antes de 2023, quando chegará a 96,3%.
O Brasil tem um nível de endividamento comparável ao da Zona do Euro (84,2% segundo o FMI), bem acima dos países emergentes (49%) e da América Latina (62%). A descrença em que o país seja capaz de honrar seus compromissos no médio prazo afugenta os investidores e o capital internacional.
Nossa tragédia fiscal é uma das principais razões por que o dólar entrou em disparada, com efeitos sobre a inflação, o poder de compra e o nível de vida do brasileiro. O desemprego ainda está acima de 12%, as perspectivas de inflação já superam 4%, e o crescimento do PIB deverá ficar pelo menos um ponto percentual abaixo das expectativas. Com sorte, cresceremos 1,5% este ano.
Para Temer, em seu melancólico fim de mandato, e para os ministros do STF que deram o gatilho para os reajustes dos funcionários públicos, nada disso parece ter muita importância. Na hora de decidir que país deixar ao sucessor, Temer não titubeou em acatar todas as demandas do Supremo nem em manter, no Orçamento, o tratamento privilegiado que o funcionalismo está acostumado a receber nos momentos de crise.
Fonte: “G1”, 31/08/2018
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