O presidente Jair Bolsonaro ganhou um respiro depois da reunião em Biarritz, no sul da França, do grupo dos sete países democráticos mais ricos do mundo, o G7. Com a postura mais séria em seu pronunciamento sobre as queimadas da Amazônia e o envio de tropas do Exército para lidar com o fogo, o G7 dedicou sua reunião a temas mais urgentes: Irã, Brexit e China.
O próprio presidente francês, Emmanuel Macron, anfitrião da reunião e artífice da crise que levou Bolsonaro e o Brasil às manchetes globais como vilões do meio ambiente, percebeu, ante a reação da alemã Angela Merkel, que não conseguiria usar as queimadas como pretexto para melar o acordo comercial Mercosul-União Europeia (UE). A Amazônia rendeu apenas declarações genéricas de ajuda no combate ao fogo.
Noutra manobra, Macron trouxe para discussão o acordo nuclear com o Irã, abandonado pelos Estados Unidos. Depois da saída dos americanos, que impuseram duras sanções econômicas, os iranianos voltaram a enriquecer urânio além dos limites permitidos, levantando temores de que o país dos aiatolás retome o desenvolvimento da bomba atômica.
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Para os países europeus liderados por Macron, o interesse é manter acesso ao petróleo iraniano e, para isso, aliviar as sanções americanas. Percebendo que havia um clima favorável da parte do presidente americano, Donald Trump, Macron apresentou ontem uma surpresa no encontro: o chanceler iraniano Javad Zarif desceu de avião em Biarritz.
Alvo das sanções americanas, Zarif não encontrou Trump. Conversou apenas com Macron, Merkel e o premiê britânico, Boris Johnson. Mesmo assim, sua presença serviu para oferecer alguma esperança de solução para o Irã respeitar novamente os termos do acordo – e deu a Macron outro assunto para evitar sair do G7 derrotado por não ter obtido consenso na retaliação ao Brasil.
O tema mais urgente na reunião foi outro: o Brexit. Pela primeira vez, Johnson compareceu a uma cúpula como premiê. Repetiu sua intenção de concluir o divórcio do Reino Unido da UE na data marcada, 31 de outubro, mesmo que seja inviável fechar até lá qualquer acordo que evite o caos nas fronteiras e no abastecimento do país.
Nada de novo emergiu das conversas com Merkel e o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. Apesar de Johnson acreditar estar mais próximo de rever o acordo fechado no ano passado pela antecessora, Theresa May (rejeitado três vezes pelo Parlamento britânico), não há sinal concreto algum de que isso seja viável.
A partir da semana que vem, quando o Parlamento britânico voltar do recesso, Johnson enfrentará enorme pressão da maioria, contrária à saída da UE sem acordo. Será inevitável que enfrente uma moção de desconfiança e passe as próximas semanas não negociando com a UE, mas tentando salvar o próprio governo. A UE parece apostar em sua queda ou em estender o prazo da saída até que novas eleições definam um líder britânico com autonomia e representatividade reais.
O único ganho concreto de Johnson na cúpula foi a aproximação de Trump. Os dois donos das cabeleiras mais comentadas no mundo da geopolítica fizeram jus à fama de frasistas inspirados. Trump prometeu ao Reino Unido um acordo comercial vantajoso assim que o Brexit estiver concluído. Qualquer passo concreto, contudo, dependerá de negociações longas e exaustivas.
Dependerá, também, da principal incógnita em torno de Trump, tema subjacente a toda discussão no G7 e decisivo para o futuro global: até que ponto os Estados Unidos pretendem levar a disputa com a China? O desacoplamento econômico dos dois países teria consequências dramáticas, a começar pela iminente recessão mundial.
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Os sinais emitidos por Trump em Biarritz foram ambíguos. De um lado, ele anunciou na semana passada o aumento das tarifas impostas sobre importações chinesas, levando a uma nova retaliação, e defendeu a saída de empresas americanas da China. De outro, lamentou que tivesse de manter a guerra comercial e deixou as portas abertas para negociações que continuam emperradas desde maio.
Mesmo Johnson, principal aliado de Trump na cúpula, criticou a postura intransigente dos Estados Unidos ao insistir na guerra tarifária. Trump não conseguiu apoio dos europeus para uma estratégia unificada de enfrentamento aos chineses. A China tem conseguido escapar da pressão americana comprando produtos de outros países.
Mesmo assim, a incerteza sobre o desfecho da disputa sino-americana tem exercido enorme pressão nas economias. O alerta de recessão é evidente. Assim como é evidente que a China não pretende ceder na determinação de ultrapassar a economia americana e de ampliar sua esfera de influência. Perto de China, Brexit e Irã, não é de espantar que o Brasil de Bolsonaro tenha ficado em segundo plano.
Fonte: “G1”, 26/08/2019