Algumas ideias vêm pautando o debate sobre as chances de o próximo presidente conduzir reformas estruturais essenciais para o equilíbrio fiscal e para o crescimento econômico. Cito algumas: a sociedade quer um Estado grande e é contra as reformas; os grupos organizados bloqueiam a agenda de reformas; os políticos não são reformistas; o Congresso é de baixa qualidade e não haverá renovação; e o próximo presidente estará fraco, pois não ganhará com ampla margem e a abstenção será elevada.
Combinando tudo isso e considerando a emergência das reformas, a conclusão natural é que o País será ingovernável e está fadado a dar errado.
É precipitado condenar o Brasil. Significa não reconhecer os avanços institucionais ocorridos desde a redemocratização. É verdade que o ritmo decepciona e houve grande retrocesso com Dilma. Mas estamos retomando o caminho, com importante contribuição do governo Temer.
O governo vem fortalecendo o regime fiscal ao reduzir o poder discricionário dos governantes, após tantos abusos. Tivemos a lei das estatais, a regra do teto e mudanças no relacionamento com entes subnacionais. Isso em um contexto de instituições de controle, como o TCU, mais atuantes. O atual governo contribuiu também para o amadurecimento do debate econômico, ao dar transparência sobre a grave situação fiscal e a urgência da reforma da Previdência, a ponto de nenhum candidato competitivo negar sua necessidade.
O amadurecimento do debate econômico aciona as válvulas institucionais, os pesos e contrapesos, que limitam o risco de desvio de rota. Afinal, para evoluir é necessário conhecer os reais problemas e diagnósticos sobre o que fazer. As prioridades da agenda econômica estão muito mais claras, diferente do governo Dilma, que abusava do improviso, explorava brechas da lei para cometer abusos fiscais, negava os problemas e interditava debate econômico.
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Há também o amadurecimento da sociedade, que rejeita mais impostos e inflação elevada, e cobra serviços públicos de qualidade. Isso é o que vale no final. Ajudaria muito uma comunicação efetiva sobre a conexão entre Estado grande sem reformas e impostos elevados e risco inflacionário.
Os políticos, refletindo a sociedade, não são reformistas. Pior ainda, com frequência a classe política fica de costas para a sociedade, privilegiando setores organizados e corporações, em detrimento do bem comum. Mas isso não é imutável. O amadurecimento da sociedade e das instituições democráticas, como a imprensa e a academia, não é pouca coisa. Com a concorrência na política, a sociedade tem importante papel na construção da agenda política do País.
Em inícios de governo, o risco de ingovernabilidade é naturalmente menor. Com o capital político conquistado nas urnas e com cargos a distribuir, os partidos tendem a engrossar a base aliada. E como ensina Marcus Melo, a base aliada tem interesse no sucesso do governo.
Durante o mandato, se ao presidente faltar dose de humildade para dialogar com a sociedade e com os demais poderes, se faltar capacidade de enfrentar grupos organizados e se faltar habilidade política, o risco maior não será de ingovernabilidade, mas sim de uma agenda medíocre. O resultado será um país que cresce pouco, com ciclo econômico mais acidentado e mais sujeito a choques adversos, mas não o colapso.
Alguns ingredientes do colapso – como o debate econômico interditado, instituições frágeis e a sociedade civil complacente – estão mais fracos.
Implementar uma agenda ambiciosa será teste de maturidade da sociedade e do bom funcionamento das instituições democráticas, de forma a reduzir o poder de veto de grupos organizados. Também dependeremos do preparo do próximo presidente. Essa resposta ainda não temos.
Fonte: “Estadão”, 02/08/18