A sociedade brasileira está em pleno processo de mudança. Viver em momentos assim é sempre desafiador e por vezes desconfortável, pois as acomodações objetivas e subjetivas anteriormente existentes são o objeto da mudança.
Parte significativa da Constituição Federal de 1988 é motor das mudanças em curso. Enquanto o Muro de Berlim era derrubado, a URSS se desmanchava e a Cortina de Ferro ruía, a CF/1988 institucionalizava a Nova República, com todas suas idiossincráticas regras de distribuição de poder político e dos recursos que os governos federal, estaduais e municipais expropriam dos indivíduos e empresas.
Enquanto nossa sociedade e nossas elites políticas, econômicas, intelectuais não produzirem modelo alternativo substituto à Nova República, viveremos os espasmos de sua morte, com o mal-estar resultante produzindo choques entre os diversos maniqueísmos, que são ótimos na negação e péssimos na afirmação.
Maio de 2019 começou com a elite da burocracia laboral (sindicalistas) conclamando a sociedade a ir para as ruas contra a reforma da Previdência, entre outras bandeiras. Como esperado, tais mobilizações limitaram-se a parte dos manifestantes profissionais e aos que gostam de shows e churrascos.
A metade deste maio nos propiciou a percepção de quão é importante a educação básica e o setor de ciência e tecnologia. O governo atual mantém o padrão Novo Republicano de financiamento, organização e priorização, o que inclui contingenciamento ou cortes orçamentários. As manifestações massivas em defesa do financiamento da educação, ciência e tecnologia demonstraram que esta temática importa para nossa sociedade e que deve ser objeto de mudanças profundas.
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Essas mudanças poderiam incluir, creio eu, a concentração do ensino superior e do sistema de ciência, tecnologia em uma só estrutura especializada (ministério). Também poderia incluir a extinção do MEC e a efetiva descentralização orçamentária, política e administrativa da educação básica para os estados. À União caberia papel de coordenação e de estabelecimento de padrões nacionais por meio de acordos cooperativos com estados e metrópoles. Seria um bom começo.
O fim de maio aproxima-se. No dia 26, houve manifestações massivas de setores da sociedade brasileira que defendem certas pautas apresentadas pelo atual governo federal, tais como a reforma da Previdência, pacote anticrime; e outras, como a criação da CPI do poder Judiciário (Lava Toga, uma alusão à operação Lava Jato).
Se estas manifestações públicas de apoio às medidas liberalizantes (desestatizantes) e de combate à corrupção/impunidade produzirão efeitos positivos no sentido de garantir suas aprovações por deputados e senadores é algo a ser avaliado a posteriori dentro de algumas semanas ou meses.
Há um aspecto pouco falado até aqui que é o fato das demonstrações do dia 26 terem sido convocadas e preparadas por apenas uma das frações que compõem o atual governo federal. As frações liberal e militar ou foram explicitamente contrárias, ou não apoiaram. Neste nível analítico, será possível dizer que a fração que produziu a mobilização obteve/obterá a hegemonia incontestável do comando governamental? Quais implicações desta demonstração de força?
O mês não acabou. Os setores derrotados no processo eleitoral de 2018 estão convocando a sociedade para ir às ruas contra a reforma da Previdência, entre outras pautas de manutenção do status quo Novo Republicano. Alguns, mais extremados, defendem a realização de uma greve geral. A experiência mostra o quão particular e corporativo é este instrumento.
Enquanto isso, a maioria das pessoas em seus empregos não estáveis, em empregos de baixa qualidade e baixa remuneração, outras tantas desempregadas, um sem-número de “empreendedores” individuais, tentam sobreviver, tentam pagar suas contas, tentam educar seus filhos ou se educar, apesar do modelo estatista Novo Republicano agonizante.
Infelizmente, o principal debate ainda continua à margem e parece que se dará de forma conturbada e empírica no bojo de reformas incrementais e pontuais no estatismo da CF/1988.