Quando estudei fora, me impressionava, ao vir ver a família, como nada mudava entre uma visita e outra, apesar da permanente sensação de o Brasil estar sempre à beira de uma crise. Talvez por ficarmos tão focados no curtíssimo prazo, não prestamos atenção, nem cuidamos, do médio e longo prazo. Quem sabe por isso vamos tão mal nessa área, como indica uma conta que fiz esta semana: tomando as projeções da população, do IBGE, e do PIB, da pesquisa Focus do Banco Central, para 2019 e 2020, conclui-se que em 2020 o PIB per capita brasileiro deve ser apenas 1% maior que o de 2010. Terá sido, literalmente, uma década perdida. Mais uma.
Nesse contexto, é bem-vindo o livro “Brazil: Boom, Bust and Road to Recovery”, recém-publicado pelo FMI e disponível em https://bit.ly/2WMXIWX. O livro, organizado por A. Spilimbergo e K. Srinivasan, analisa porque a economia brasileira cresceu tão pouco desde o início dos anos 1980 e discute uma série de reformas para acelerar o crescimento.
O livro tem seis seções. A primeira faz um sumário do livro, com uma resenha repleta de estatísticas e gráficos do desempenho e das políticas econômicas nas duas últimas décadas. O capítulo 2 traz um resultado provocativo: a brutal queda do investimento desde o início de 2014 resultou, em 2014-15, da piora dos termos de troca, mas desde então esse efeito foi revertido, ganhando relevância o efeito contracionista da incerteza política.
A segunda parte, onde tenho um capítulo escrito com P. Lins, versa sobre o tema do crescimento econômico. São cinco capítulos, que focam no que fez a produtividade crescer tão pouco desde os anos 1980 e no que fazer para melhorar esse desempenho. No meu texto com Paulo, a mensagem principal é que a causa de nossa baixa produtividade não está no trabalhador brasileiro, mas no tipo de ocupação que lhe é oferecida.
O capítulo seguinte traz outra mensagem fundamental: a composição setorial da produção no Brasil não é a principal causa da baixa produtividade, que é baixa em todos os setores. Em seguida se examinam as reformas conforme seu potencial de aumentar a produtividade e a facilidade de aprovação política, concluindo que a reforma do setor bancário é a que melhor combina esses dois elementos.
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Dois capítulos tratam da abertura comercial, um objetivo do atual governo. O primeiro defende que o Brasil deveria se abrir mais ao comércio internacional, eliminando regras de conteúdo local, aderindo a mais acordos comerciais e cortando tarifas de importação, começando por insumos básicos, bens de informática e bens de capital. No outro capítulo, por sua vez, os autores argumentam que, devido à baixa mobilidade regional e setorial do trabalhador brasileiro, a abertura comercial, apesar de benéfica, pode gerar problemas no mercado de trabalho, se não acompanhada de políticas de capacitação e proteção ativas.
A terceira parte do livro aborda a temática social. Nela, os autores examinam os avanços que o Brasil teve em reduzir a desigualdade, em função principalmente do aumento da renda dos mais pobres e de programas de transferência de renda. Esses dois fatores permitiram diminuir a desigualdade de renda entre estados e dentro dos estados. Porém, a queda no preço das commodities e no crescimento, junto com a necessidade de aperto fiscal, exigem que o Brasil focalize mais suas políticas sociais para impedir retrocessos, em especial para prevenir um aumento da pobreza.
A quarta parte do livro lida com o tema fiscal. Nela os autores enfatizam a necessidade de reduzir o déficit e por a dívida pública em trajetória não explosiva. Para isso recomendam adotar um planejamento fiscal de médio prazo, com menor rigidez nos gastos; reformar a Previdência Social; adotar reformas estruturais das finanças públicas estaduais; e cortar os gastos com pessoal, particularmente, mas não só, nos estados e municípios, em especial via a redução de salários.
Na sequência, o livro traz quatro capítulos sobre política monetária e financeira. Nestes se discute a influência do financiamento público sobre os juros, concluindo que esse tem um comportamento pró-cíclico, especialmente no caso do BNDES; se testa a anticonvencional tese de que juros altos, em vez de baixar a inflação, a elevam – a chamada visão neo-fisheriana –, mostrando não ser o caso no Brasil; se discute a criação TLP, concluindo que ela foi um avanço; e se defende melhoras na comunicação do Banco Central, que ajudaria a ancorar as expectativas de inflação.
Na última parte do livro há quatro capítulos sobre o tema do combate à corrupção, enfocado de um prisma econômico. Aí se busca lições da operação Mãos Limpas para a Lava Jato e, entre outras coisas, se estima que uma redução da corrupção poderia elevar a renda per capita entre 12% e 35%.
Há aí muitas lições para como fazer o Brasil retomar o caminho do crescimento. Mas, como observam os organizadores, não basta saber isso, também são necessários “uma liderança forte e um compromisso inabalável, ancorados em um senso de responsabilidade e parceria entre todos os grupos interessados (stakeholders)”.
Fonte: “Armandocastelar.com”