Não, não é coincidência, nem má interpretação. A família Bolsonaro vem, há anos, dando sinais de que não considera a democracia um valor em si mesma. “Através do voto, você não muda nada no país. Tem que matar uns 30 mil”, já dizia o patriarca em entrevista em 1990.
Deputado do baixo clero, ninguém deu bola, e deu no que deu. Está na presidência do país. Agora vem o filho, também do baixo clero da Câmara do Rio, vereador Carlos Bolsonaro, dizer que “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer”.
Depois da péssima repercussão, disse que “canalhas” da imprensa distorceram seus pensamentos. Só que a advertência sobre a ineficácia da democracia é a continuação de outro post, no qual diz que “o governo Bolsonaro vem desfazendo absurdos que nos meteram no limbo e tenta nos recolocar nos eixos. (…) Os avanços ignorados e os malfeitores esquecidos”.
Muita gente acha que Bolsonaro é um Jânio menos ilustrado. Em uma época em que não havia os novos meios digitais, Jânio renunciou acusando “forças ocultas” de não o deixarem governar. Pensou que voltaria nos braços do povo, mas não aconteceu.
Bolsonaro acha que será seguido se “levantar a borduna”. Disse isso em recente entrevista à Folha de S. Paulo. Anteriormente, havia compartilhado por WhatsApp um texto que afirmava que o Brasil, “fora dos conchavos”, é ingovernável.
Os ataques à “velha política” foram compartilhados, no texto que afirmava que o país está “disfuncional”, mas não por culpa de Bolsonaro. O presidente já criticara anteriormente a classe política, afirmando em discurso para empresários: “É um país maravilhoso, que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política”.
É verdade que, depois disso, com as investigações da Polícia Federal sobre diversos tipos de corrupção a partir do gabinete do senador Flavio Bolsonaro quando era deputado estadual, a relação do presidente com o Congresso ficou mais amena, enquanto ficou mais tensa com a Polícia Federal, cujo superintendente quer substituir.
A família Bolsonaro costuma fazer comentários que soam como uma ameaça à democracia. O deputado federal Eduardo Bolsonaro, que quer ser embaixador do Brasil nos Estados Unidos, já disse que para fechar o STF basta um soldado e um cabo.
Bolsonaro já disse que deve respeito, sobretudo, ao povo. Ele, ao contrário do que pensa, deve obediências às instituições nacionais, deve obediência às leis.
Os Bolsonaro têm uma visão de democracia muito relativa. Em qualquer estado do Brasil, um vereador que escrevesse o que ele escreveu, estaria sendo passível de cassação diante de uma Comissão de Ética. Não se comportou como exige o decoro parlamentar.
Os Bolsonaro não levam em conta os limites que as instituições da democracia impõem. O principal aspecto é que ele se elegeu presidente com cerca de 60% dos votos, mas esse eleitorado não votou nele por convicção, mas por necessidade. A maioria foi de eleitores circunstanciais, de ocasião.
Eram antipetistas que não viram outro candidato de centro capaz de derrotar Fernando Haddad. Outros votaram nele pelo Paulo Guedes, acreditando que a crise econômica e o desemprego seriam vencidos, ou preocupados com a insegurança.
Bolsonaro teve muita perspicácia política para indicar antecipadamente Paulo Guedes para o ministério, o que levou muita gente que nunca votaria nele a sentir confiança nos rumos da economia, mesmo que a história pregressa do Bolsonaro não tenha nada de liberal.
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Teve a sensibilidade política de entender o que as pessoas queriam. Mas Bolsonaro recebeu votos de muita gente que não concorda com a maneira de ele se comportar, muita gente se enganou, achando que ele, assumindo a presidência, iria se conter, ou ser controlado pelo militares a seu redor.
O governo Bolsonaro é, em virtude de sua maneira de dirigir o país, em busca sempre de um adversário, muito tenso, o que se reflete no dia a dia da população, e justifica a queda de popularidade, além das dificuldades naturais de governar em uma democracia.
Essa de Carlos Bolsonaro, como as anteriores de seu irmão Eduardo, e do pai, são bravatas típicas políticos autoritários, e no momento não encontram eco na realidade. As instituições que o presidente ataca com freqüência, Congresso, Judiciário, imprensa, reagem a cada tentativa de ultrapassar os limites democráticos. Não se pode normalizar uma declaração dessas.
Fonte: “O Globo”, 11/9/2019