*Lourdes Sola e Maria Cristina Mendonça de Barros
Uma das características paradoxais do cenário político é que tanto os candidatos de centro quanto os que são polos rivais na disputa pela Presidência da República estão por definir suas respectivas agendas e narrativas. A ausência de “um projeto para o Brasil” é palpável. Alguns, pragmaticamente, tateiam o terreno, buscam redefinir sua imagem, de olho no grande eleitorado, para além das suas respectivas bases sociais cativas. Nessa fase de realinhamentos e de reconfiguração da arena eleitoral, na esteira das incertezas causadas pela condenação do ex-presidente Lula, tudo se passa como se o cálculo político de curto prazo – o cálculo eleitoral – absorvesse todas as energias criativas da vida política.
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Salta aos olhos, no entanto, o contraste entre essa indeterminação programática e os objetos de desejo do grande eleitorado. Se é verdade que este ainda não assumiu seu protagonismo, não é porque não saiba o que quer e o que precisa, mas porque não está de olho ainda no quadro eleitoral, mais segmentado. As pesquisas de opinião sugerem que os valores e as aspirações que pautam as preferências das classes médias e da população de baixa renda estão dadas: aprofundamento do combate à corrupção, segurança, emprego, um horizonte aberto de oportunidades com primazia para a educação. A julgar por essas preferências, e em que pesem os segmentos favoráveis a “candidaturas de ruptura”, serão esses os critérios de desempenho a partir dos quais os candidatos serão observados.
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A agenda do eleitorado impõe desafios cuja solução se projeta por um prazo bem mais longo de transformação institucional, política e econômica. Sua complexidade tem sido objeto de intenso debate técnico, em diferentes arenas, sob a forma de requisitos para “o desenvolvimento sustentável” e/ou para uma democracia de melhor qualidade. Nosso argumento é que, exatamente por ser uma agenda que pode ser reconhecida pelo eleitor como sua, não há nada em seu escopo nem em seus objetivos últimos que ele seja incapaz de compreender. Sob três condições. Primeira: desde que traduzida em termos dos valores e aspirações em que está habituado a mover-se. Segunda: se expresso de forma a comunicar-lhe o sentido de urgência – e de equidade – que, por exemplo, a solução da crise fiscal do Estado exige. Isso obrigará os que vão deter as alavancas do Estado a empreender a redistribuição de penalidades e de privilégios inseparável das reformas pertinentes. Terceira: desde que se comunique ao eleitor seu status de partícipe, ainda que indireto, das opções e alternativas que temos pela frente. O líder populista pode satisfazer a primeira condição. As outras duas exigem têmpera republicana. As três juntas demandam a capacidade de persuasão e a visão estratégica do estadista.
Em que pé estamos, então, no momento em que jogo eleitoral está centrado exclusivamente na formação de alianças com baixíssimo teor programático? Temos outra situação paradoxal, pois vivemos uma clara retomada da economia e a implantação gradual de uma agenda de reformas microeconômicas levada a cabo por um governo com baixíssima popularidade e deslegitimado em seu núcleo por acusações de corrupção.
Sabemos pouco sobre o impacto político-eleitoral da retomada econômica, mas é provável que os candidatos tenham de se posicionar acerca da continuidade ou não das reformas em pauta. Já sabemos que o Brasil crescerá acima de 3% em 2018, com base no consumo e no retorno do investimento – cuja magnitude depende da direção da agenda futura. A combinação virtuosa de reservas confortáveis, setor externo dinâmico, inflação baixa, juros menores, renda real crescente e avanços graduais na agenda reformista explica esse desempenho. Só que a maioria dos candidatos de centro prefere contornar essas evidências e os de oposição têm consciência de que serão beneficiários do crescimento, se eleitos.
O calcanhar de Aquiles é a situação fiscal, sobretudo a velocidade dos gastos com Previdência num país que envelhece rápido, onde prevalece um ethos corporativista e, portanto, arcaico mesmo entre carreiras de Estado ditas “modernizantes”. Dessa perspectiva a reforma da Previdência é mais que uma reforma econômica: a idade mínima de aposentadoria e a redução dos privilégios da burocracia pública são itens de uma agenda democrática, que teria apelo popular se mais bem explicitada em seus efeitos. Mas a percepção de seu alcance político pelo grande eleitorado será um dado inescapável a partir dos debates.
Na área micro, em que o cálculo eleitoral é menos dominante, há boa dose de convergência entre agentes econômicos e a equipe responsável pela agenda em curso. Admite-se que é preciso avançar no sentido de melhoria geral no ambiente de negócios e das condições de concorrência: redução do tempo dedicado à adequação tributária, melhorias na legislação pertinente à intermediação financeira e à reforma trabalhista. Os efeitos do que já foi feito nesta última arena política são palpáveis: no primeiro mês de sua vigência, reduziram-se em 50% os processos ajuizados em varas trabalhistas. Para o futuro próximo a agenda inclui, entre outros itens, a redução dos spreads bancários, que tem tudo para ser popular, bem como outros pontos ligados ao crédito, como o cadastro positivo, que permitirá o acesso do bom pagador a dinheiro mais barato. Quanto ao investimento, há medidas que reduzem a insegurança jurídica, a exemplo da Lei das Agências Reguladoras, já aprovada pelo Senado e ainda na Câmara dos Deputados.
Daí outro aspecto paradoxal. Se parece haver convergência (silenciosa) em relação à bondade dessa agenda mínima entre os candidatos de centro, suas bases sociais e os economistas a eles associados, se as divergências se reduzem à velocidade e intensidade das medidas, dado que está parcialmente testada pelo desempenho da economia, por que deixar o conteúdo programático à parte da dinâmica das alianças?
Fonte: “Estadão”, 17/02/2018