Com a ajuda do ex-governador Sérgio Cabral, o presidente afastado da Federação do Comércio do Estado do Rio de Janeiro (Fecomércio), Orlando Diniz, desviou, segundo a investigação, ao menos R$ 3 milhões de duas entidades do Sistema “S”, o Sesc e o Senac-RJ, para a Thunder Assessoria Empresarial, firma na qual figura como sócio-administrador. Esta conexão, apontada pela força-tarefa da Operação Calicute, versão da Lava-Jato no Rio, é um dos fundamentos da prisão preventiva de Diniz nesta sexta-feira, ordenada pelo juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio.
O Sistema S é um verdadeiro sorvedouro de recursos públicos em prol dos apaniguados de políticos influentes. Qualquer reforma fiscal digna deste nome teria de incluir estudos sobre a real necessidade de manutenção desse sistema anacrônico e improdutivo.
A propósito, resgato um artigo meu, de 2015, em que tento explicar por que ele é desnecessário e deve acabar:
Pelo fim do “Sistema S”
O Brasil é o país da jabuticaba. Há coisas que só existem por aqui e, pior, são tratadas como verdadeiras vacas sagradas. O mais notório exemplo é a nossa justiça do trabalho, uma excrescência só encontrada em Pindorama e talvez em meia dúzia de países proto-socialistas, como Venezuela e Bolívia. Nossas legislações do trabalho e sindical, que remontam ao período de Getúlio Vargas, então, são jabuticabeiras carregadas, mas ai de quem cogitar mexer nelas.
Leia também de João Luiz Mauad:
Combatendo falácias econômicas do cotidiano
Ministério Público e Decolar.com: priorizar não é discriminar
Para que servem, afinal, os tratados comerciais?
Outra frondosa jabuticabeira tupiniquim é o chamado “Sistema S”. Criado na década de 40 e convalidado pela constituição de 1988, o “Sistema S”, na definição do jurista Hely Lopes Meirelles, é composto de “Serviços Sociais autônomos, instituídos por lei, com personalidade jurídica de direito privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotação orçamentária ou contribuições parafiscais.”
Em geral, essas “contribuições” incidem sobre a folha de pagamento das empresas e são repassadas às entidades privadas correspondentes – CNA (SENAR), CNI (SESI/SENAI), CNC (SESC/SENAC), CNT (SEST/SENAT), SEBRAE e outras. Atualmente, o imposto pago pelas empresas ao “Sistema S” soma nada menos que 5,80% do total dos salários pagos no país.
Recentemente, na onda do pacote fiscal encaminhado ao Congresso, o governo cogitou retirar parte dos recursos do “Sistema S” para cobrir o déficit orçamentário. As reações, como acontece sempre que se mexe com interesses organizados e concentrados, foram fortes e imediatas.
“Se o governo encaminhar a proposta de corte, estaremos prontos para a guerra no Congresso Nacional. Não vamos permitir que o governo feche escolas ou deixe de dar oportunidade a milhões de alunos em escolas de qualidade na formação profissional, na prática de esporte e na cultura. Não acredito que essa intenção irá prosperar”, disse Paulo Skaf, presidente da FIESP.
O valente disse ainda que “O governo está querendo atrapalhar aquilo que funciona bem. Todos reconhecem o trabalho que Sesi, Senai e Sebrae fazem em São Paulo. Para o Brasil, o custo-benefício é excelente. Há pesquisas que mostram que a indústria está feliz em pagar a contribuição. Ela reclama de pagar imposto.”
Não é por acaso, que os caciques tupinambás da FIESP logo se pintaram para a guerra, tal é o interesse deles na manutenção do sistema. Mas, esperem um pouco. Tem alguma coisa que não fecha nesse discurso. Se a coisa é assim tão bonita e eficiente, tão benéfica para as empresas, por que a arrecadação precisa ser compulsória? Se as indústrias estão satisfeitas com os resultados alcançados, certamente iriam contribuir de forma voluntária para bancar o sistema, caso o tributo fosse extinto ou reduzido. Ora, se algo contribui para melhorar a produtividade dos meus funcionários e, consequentemente, da minha empresa, não é preciso que me obriguem a adquiri-lo, pois o farei de bom grado, como um investimento.
Infelizmente, entretanto, o troço não é assim tão maravilhoso como alegam os donos dessa jabuticabeira. Apesar da enorme arrecadação do “Sistema S”, a produtividade da mão-de-obra brasileira, por exemplo, continua muito ruim. Sinal de que o dito “aperfeiçoamento profissional” não tem funcionado a contento.
Em 2012, por exemplo, a produtividade do trabalhador brasileiro foi de meros 26,2% da produtividade do trabalhador norte americano, enquanto a dos argentinos foi de 35,5% e dos mexicanos 34,4%. A produtividade tupiniquim é bem menor também que a de muitos outros países em desenvolvimento.
Além de ineficiente como instrumento de qualificação profissional, há fortes indícios de que o sistema, na verdade uma grande caixa-preta, esteja operando com desvio de finalidade e funcionando, na prática, como um extenso cabide de empregos.
Segundo o senador Ataídes Oliveira, as contribuições deveriam ser revertidas, em sua totalidade, em benefício do trabalhador, na forma de cursos gratuitos e atividades que visassem ao aperfeiçoamento profissional, mas o que se vê não é exatamente isso. A maior parte dos cursos é paga, enquanto a maioria dos cursos gratuitos está sendo ministrada à distância, o que obviamente os torna menos onerosos para a instituição.
Outra denúncia do senador diz respeito ao desvio dos recursos arrecadados pelo sistema. Segundo Ataídes Oliveira, mais de 18 bilhões de reais dos recursos do Sistema S estão atualmente aplicados no mercado financeiro.
Além de pagar supersalários aos seus executivos (segundo o senador, a folha de salários do sistema soma mais de R$ 5 bilhões), o “Sistema S” virou uma espécie de feudo dos políticos. Em troca da segurança de que nunca vão mexer naquela caixa preta, os partidos têm utilizado o sistema para dar empregos aos amigos do rei. Atualmente, como não poderia deixar de ser, quem comanda a farra é o PT. Não por acaso, entre os seus atuais dirigentes, recebendo salários nababescos para administrar montanhas de dinheiro, está Gilberto Carvalho, que, logo após deixar o governo, assumiu a presidência do SESI, no lugar de Jair Meneguelli, que lá ficou por 12 anos. Outro petista, Luiz Barretto Filho, preside o SEBRAE desde 2011. É isso que chamam de “serviços sociais autônomos”?
Mas o descalabro não para por aí. Uma das noras do ex-presidente Lula, Marlene Araújo Lula da Silva, formalmente trabalha no “escritório de representação” do Sesi em São Bernardo do Campo. Em situação semelhante está Márcia Regina Cunha, mulher do mensaleiro petista condenado João Paulo Cunha. Outro ponto comum entre Márcia e Marlene é que não costumam comparecer ao local de trabalho: uma em São Bernardo; a outra, em Brasília.
É óbvio que não concordamos com a transferência dos recursos do “Sistema S” para o governo, pois a emenda seria pior do que o soneto. Mas já passou da hora de começarmos a discutir seriamente a extinção dessa verdadeira estrovenga, que, além de encarecer o custo da mão-de-obra, não tem promovido a capacitação profissional que deveria, como mostram os índices de produtividade. Até porque, repito, se o negócio é assim tão bom como alegam, seus recursos não precisariam ser arrecadados compulsoriamente.
Fonte: “Instituto Liberal”, 23/02/2018