Um dos casos de maior repercussão na Corte Constitucional alemã envolveu a presença de crucifixos nas escolas da Baviera, cuja proibição havia sido pedida pelo pai de um aluno, com base no princípio da laicidade. Em meio à grande controvérsia, o premiê regional descumpriu a ordem da corte. No caso do Conseil d’État francês, que é uma espécie de suprema corte para assuntos administrativos —e portanto, mais próximo do STF— foi o do arremesso de anões, prática proibida por uma prefeitura por atentatória ao princípio da dignidade humana. Seguiu-se grande polêmica, por que os próprios anões a defenderam, e o caso foi parar na ONU.
O contraste com o STF não poderia ser maior: os casos de maior repercussão foram o mensalão e o petrolão, processos ainda em curso. Neles, o STF atua enquanto corte criminal. Muitos analistas têm chamado atenção para o caráter insólito da corte brasileira, que cumpre papéis como tribunal recursal, criminal e constitucional.
Casos criminais potencializam conflitos. A regulação do impeachment de Dilma Rousseff (PT) foi outro caso de grande visibilidade. Quanto maiores os stakes —o que efetivamente está em jogo— maior o conflito, independente do desenho institucional da corte. Os stakes são outros porque as instituições passaram a punir atores com muito poder.
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Que discussão foi gerada quando o que estava em jogo era a caça da capivara, a morte do tatu em crime ambiental ou a elegibilidade do prefeito interiorano (casos que chegaram ao STF na última década)?
Com o fim do foro por prerrogativa de função, o Brasil deixa de ser caso desviante e, em princípio, a politização arrefeceria —obviamente não seria eliminada no STF, por seu papel como corte de apelação.
O STF caminha no sentido de tornar-se corte constitucional, e muitos defendem a mudança. O controle de constitucionalidade concentrado exclusivo está presente em 69 países e o difuso, em 54. No entanto, 14 países que são democracias possuem o mesmo modelo híbrido do controle constitucional brasileiro (combinando o controle concentrado com o difuso) embora pouquíssimos países franqueiem a titularidade de ADIs tão inclusivamente, sobrecarregando a pauta.
O que está fundamentalmente errado com o desenho institucional do STF? A disfuncionalidade reflete em grande medida os stakes do jogo, não o desenho. Decisões monocráticas sobre temas não conflitivos foram solução organizacional eficiente que tornam-se conflitivas quanto o que está em jogo é explosivo.
Este “modelo de delegação” foi adotado por estas razões, e sim, tornou-se brutalmente disfuncional. A politização, no entanto, se reduzirá apenas quando a agenda mudar.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 16/07/2018