Num passado não muito distante, a Venezuela era o país mais rico da América Latina. Chegou a ter a segunda maior reserva de petróleo do mundo, menor apenas que a reserva da Arábia Saudita, num período em que o preço internacional dessa commodity beirava os US$ 100. Como se explica, passado tão pouco tempo do ponto de vista histórico e econômico, que o país esteja hoje mergulhado no mais completo caos, com um descontentamento social e uma crise política que podem iminentemente levar à uma guerra civil?
Do ponto de vista político, a Venezuela não passou incólume à onda esquerdista-populista que varreu a América Latina nos primeiros anos do século XXI. Hugo Chavez, juntamente com seu projeto socialista, chegou ao poder em 1999 e por lá permaneceu até sua morte em 2013 (coincidência ou não, também foram 14 anos de um “reinado” populista assim como no caso brasileiro, de 2002 a 2016). O “comandante”, o “herói dos mais pobres”, praticou o socialismo à risca, estatizou empresas privadas, promoveu uma reforma agrária radical para depois deixar as propriedades abandonadas e sem qualquer produção.
Do ponto de vista ideológico, implementou o planejamento centralizado e criou inúmeras dificuldades ao livre mercado e à livre-iniciativa. Não é preciso fazer muitas análises para entender a inviabilidade de uma linha aérea que ligasse Caracas a Teerã (operada pela Conviasa, empresa estatal venezuelana de aviação, de 2007 a 2009) ou então para entender a justificativa para que o país seguisse importando do Brasil, por anos a fio, óleo de soja com frete aéreo (a única justificativa é que o “planejamento” estatal era tão precário que sempre era necessário optar pelo frete aéreo no intuito de evitar-se uma ruptura nos supermercados). Acreditar que um grupo de burocratas pode tomar decisões melhores ou permitir melhores alocações de recursos que aquelas alcançadas pelo equilíbrio natural dos mercados é realmente utópico demais.
Do ponto de vista econômico, destaca-se a profunda dependência comercial de uma única fonte de recursos. O petróleo, que chegou a valer US$ 100/barril em 2014, despencou para US$ 26/barril em 2016 (muita oferta, pouca demanda) e hoje encontra-se num patamar de US$ 50/barril. Do ponto de vista do orçamento público, é o mesmo que dizer que num espaço de três anos a receita foi cortada pela metade. No entanto, a manutenção do populismo exige um alto endividamento público (conhecemos muito bem essa equação). A política dos preços subsidiados gera distorções por todas as partes e obriga o governo a emitir moeda de maneira desgovernada, retroalimentando assim um processo de inflação que sufoca a população, que já não encontra oferta de produtos básicos (alimentos, remédios e mesmo eletricidade) e serviços públicos praticamente interrompidos (saúde e educação são notadamente os mais afetados). Numa economia com tantas distorções, várias multinacionais já decidiram abandonar a Venezuela, acentuando assim o desemprego, que já se encontra na faixa dos 25%. O processo de recuperação não será curto, considerando-se que houve um êxodo de mais de 2 milhões de habitantes numa população total de 30 milhões, ou seja, um processo de brain drain que certamente terá consequências para o futuro do país.
Todo esse cenário de sucessivos erros culminou na crise atual. Em meados de julho, a oposição convocou um referendo simbólico contra o presidente Nicolás Maduro. Em retaliação, o presidente deve manter sua promessa de convocar a assembleia constituinte que deverá depor a atual Assembleia Nacional (comandada pela oposição ao regime chavista) e terá a tarefa de reescrever a Constituição, o que pode significar ainda mais poder ao governo atual. Esse cerceamento das liberdades políticas representa claramente uma ameaça ao sistema democrático do país e o empurra cada vez mais para um “ponto de não retorno”, onde somente uma ruptura radical (com alto custo humano, social e econômico) será capaz de dar novas esperanças ao povo venezuelano.
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