Embora morando num dos bairros nobres da cidade, meu prédio está praticamente sem água há um mês. No período, fizemos dezenas de reclamações sem resposta. Na visita de um técnico, a explicação foi de que a Cedae estava com problemas operacionais. Até o “RJ-TV” fez reportagem a respeito, numa rua próxima.
Se isso acontece num bairro nobre, fico imaginando como será a vida do cidadão que mora nos bairros pobres e distantes. José Casado falou disso numa coluna, na qual contava como gravações telefônicas autorizadas pela Justiça descobriram que o fornecimento de água para os bairros da Baixada Fluminense se tornou moeda de troca eleitoral entre caciques políticos e a população.
A realidade é que o serviço da Cedae é uma lástima. Segundo levantamento da Firjan, publicado em novembro de 2017, apenas 76% dos municípios fluminenses contam com entre 80% e 100% de cobertura de abastecimento de água, enquanto somente 24% têm a mesma cobertura na coleta e 10% no tratamento de esgotos. O mesmo estudo estimou que serão necessários mais de R$ 20 bilhões em investimentos para a regularização desses serviços no estado, dinheiro que nem a Cedae nem o governo do estado têm.
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Enquanto isso, do outro lado da Baía, Niterói tem hoje o melhor sistema de saneamento do Rio de Janeiro e está entre os 16 municípios brasileiros considerados exemplos de avanço na universalização do saneamento básico. A informação vem de uma pesquisa feita pelo Instituto Trata Brasil e pela GO Associados. De acordo com o estudo, Niterói tem hoje uma cobertura de 100% de abastecimento de água e 92,8% de coleta e tratamento de esgoto.
Para chegar a esses índices, a empresa privada que fornece os serviços desde 2013 promoveu grandes investimentos. No sistema de água, o abastecimento foi universalizado após três anos da assunção dos serviços. No de esgotamento, Niterói possuía apenas 20% do esgoto tratado, contra 92,8% hoje.
Entre as melhorias para a cidade se destacam a construção das Estações de Tratamento (ETE) de Camboinhas, Itaipu, Centro, Barreto, Jurujuba e Mocanguê; a implantação de mais de 320 quilômetros de rede coletora de esgoto e a construção de 59 elevatórias.
Nada mau, não é mesmo? Mas essas evidências todas não são suficientes para sensibilizar os representantes do povo fluminense. Em 18 de setembro de 2018, os deputados aprovaram uma emenda constitucional proibindo a privatização da Cedae. Como noticiou O GLOBO na época, o “bacalhau” — no jargão político, uma emenda que não tem nada a ver com o projeto no qual foi incluída — foi aprovado por unanimidade, com 48 votos.
Em plena campanha eleitoral, ninguém quis enfrentar o ônus político de contrariar o sindicalismo militante e defender uma pauta supostamente impopular. Nos discursos celebrando a vitória, teve até coro de “Cedae, unida, jamais será vendida”.
O governador ainda tentou vetar a emenda, para não colocar em risco o Regime de Recuperação do Estado, ajustado com o governo federal, no qual a privatização da empresa era uma das exigências. Mas não adiantou. Em dezembro, os deputados derrubaram o veto. No momento, o assunto se encontra nas mãos do Poder Judiciário, que deverá dar a palavra final sobre o assunto.
É um verdadeiro absurdo que, diante de tanto descalabro, com o estado praticamente falido, sem dinheiro sequer para pagar a folha e suprir os hospitais de remédios, os nobres deputados continuem pautando suas decisões de acordo com ideologias intervencionistas, barganhas políticas e distribuição de cargos, para dizer o mínimo, enquanto os cidadãos sofrem, desnecessariamente, com falta d’água e saneamento básico. Tudo isso em pleno século XXI.
Fonte: “O Globo”, 31/01/2019