Os populistas são devoradores de instituições e inimigos viscerais do pluralismo político. Buscam se colocar como representantes diretos da vontade popular e intérpretes exclusivos do bem comum. Lançam uma guerra contínua contra as instituições e grupos que lhes impõem limites e contestam suas verdades.
Bolsonaro e seu clã têm cumprido à risca o figurino populista. Em seus primeiros cem dias de governo ofereceram demonstrações claras de que são avessos aos protocolos básicos da democracia constitucional, à gramática elementar do pluralismo político, sem falar na liturgia e decoro do cargo.
A Presidência, familiarmente exercida, funciona como uma trincheira a disparar contra o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal, os partidos de oposição, as ONGs, a imprensa livre e a própria democracia. Senão, por que comemorar o golpe de 1964? Também fomenta a desídia entre as próprias facções que compõem o governo. Nem o general vice-presidente livrou-se das saraivas do guru do clã populista.
Se isso mantém coesa a chama das brigadas radicais do bolsonarismo, sobretudo no submundo das redes sociais, assusta e afasta um importante contingente de eleitores do presidente que utilizaram o voto como um ato de protesto contra o PT. Esses eleitores começam a não gostar da postura de constante conflito com o parlamento, com as ameaças de fechamento do Supremo ou o mesmo impeachment de seus ministros.
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Também parecem não estar de acordo com ideias polêmicas como ampliar indiscriminadamente o acesso a armas de fogo, permitir o controle governamental sobre as ONGs, conferir licença para matar aos policiais, flexibilizar as regras de proteção do meio ambiente, restringir garantias de autonomia dos povos indígenas, reduzir a tributação sobre o tabaco, submeter nossa política externa e o comércio internacional aos interesses de Donald Trump ou fazer gestos de simpatia às milícias.
Mais do que a perda de apoio ao centro, como demonstra a última pesquisa do Ibope, a forma convulsiva de governar assumida nestes cem dias em nada tem contribuído para o enfrentamento de problemas reais que afetam a vida da população, como falta de segurança pública, baixa qualidade da educação, desemprego de cerca de 13 milhões de pessoas, aumento de tensão em nossas fronteiras, ou, ainda, a incapacidade de conter o déficit público, que coloca em risco não apenas o desenvolvimento econômico, como o financiamento das políticas sociais. As mais louváveis decisões do governo até o presente foram as de voltar atrás.
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A estabilidade institucional e o pluralismo democrático, sistematicamente hostilizados pelos populistas, têm se demonstrado ao longo dos séculos o caminho mais seguro para o desenvolvimento sustentável, a paz e o equilíbrio social e a busca da felicidade. Há uma responsabilidade por parte dos eleitores, apoiadores e componentes da administração Bolsonaro, que não partilham do populismo extremista, de estabelecerem limites às pulsões autocráticas do bolsonarismo.
Não se deve julgar um governo pelos seus primeiros cem dias. Não devemos minimizar, no entanto, suas ameaças. Ainda que as instituições brasileiras tenham demonstrado surpreendente resiliência ao longo das últimas décadas, o fato é que poucas vezes foram desafiadas de maneira tão contundente.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 30/03/2019