Depois de uma sequência de surpresas positivas na inflação, o Banco Central optou por seguir a toada e baixou a Selic em mais 0,25 ponto percentual e, melhor maior, sinalizou nova queda para a próxima reunião. Chegaremos, assim, a 6,25%, algo histórico para o país. Arriscaria a dizer que eventualmente poderá haver espaços para nova queda se a inflação seguir a boa trajetória iniciada desde o final do ano passado.
De fato, no segundo semestre de 2017 eram favas contadas que a inflação caminharia a passos largos de volta para a meta este ano. Praticamente todos no mercado trabalhavam com números próximos de 4% ou acima disso. Riscos não faltavam, especialmente oriundos dos preços administrados, para os quais víamos os preços da gasolina e da energia como vilões mais prováveis para esse cenário mais pessimista.
Mais de Sérgio Vale
Aumentam os riscos de a retomada naufragar em 2019
Precisamos falar sobre a China
Governo acabou em 2017… Mas nada muda para 2018
Mas mesmo com as altas desses itens no final do ano passado, a primeira surpresa foi o IPCA fechar em 2,9%, algo impensável no começo de 2017. Por razões semelhantes ao que se viu ano passado, a inflação caminha novamente para surpreender, talvez não tanto como em 2017, mas com números mais baixos do que se estimava a princípio.
Os suspeitos de sempre permanecem. Os alimentos continuam em deflação e os sinais por hora são positivos. A quebra de safra de soja na Argentina afetou os preços da commodity, mas não a ponto de mudar radicalmente a trajetória positiva dos preços. Ainda estamos nos beneficiando da forte safra do ano passado que, juntando-se aos elevados estoques de passagem e à boa safra desse ano, levará a inflação de alimentos novamente para baixo. A metade do ano especialmente costuma ter quedas de preços de alimentos por entrada de safra e, com isso, podemos ter novas rodadas de surpresas com o IPCA.
Segue sendo verdade que a recessão passou, mas que a capacidade ociosa ainda é relevante. O setor automobilístico é exemplo concreto disso, em que a capacidade ociosa beira os 40%, melhor que os 60% que chegou, mas ainda assim um número elevado. Em termos gerais, pelos dados da FGV a utilização da capacidade ociosa está 10% abaixo da média encontrada entre 2010 e 2013 (76% contra 84%). Provavelmente, apenas em 2019 chegaríamos em uma situação em que a atividade poderá começar a pressionar mais a inflação. Até lá, os riscos nesse sentido parecem baixos.
Por fim, vale sempre lembrar para que não caiamos novamente nesse erro no futuro: o Banco Central que tomou posse em 2016 tem grande parcela de responsabilidade na qualidade da condução da política monetária que permitiu manter os números sob controle. Mesmo que não houvesse o bônus da deflação de alimentos e/ou a recessão, ainda sim o BC estaria muito provavelmente conduzindo a política monetária para trazer a inflação para a meta. Isso significaria eventualmente uma taxa de juros maior do que temos agora, mas não é essa a questão e, sim, notar que a boa governança de um Banco Central importa para manter a inflação baixa.
Caso não haja nenhuma surpresa até o final do ano, caminhamos para ter juros de 6,25% (ou até 6%), com taxa real de juros em torno de 3%, algo historicamente baixo por ser a primeira vez que tal taxa seja alcançada com chances possíveis de sustentabilidade.
O que fazer para manter esse cenário favorável? Os suspeitos de sempre aqui também aparecem. A manutenção da boa agenda fiscal, com o gasto público sendo a âncora da inflação em complemento com a política monetária, e a continuidade da queda da meta de inflação, processo esse que parou de acontecer em 2006. Na próxima década para termos taxas reais e nominais de juros baixas precisaremos ter a meta de inflação também mais baixa, sendo 3% um bom começo.
Além disso, a grande diferença da agenda atual em relação ao passado é que não apenas a política macro de juros está funcionando, mas há uma política micro de juros também em andamento. De fato, no primeiro ciclo de queda de juros até 2006 a busca e entendimento maior era pelo lado macro dos juros. Dessa vez, além do macro, o governo corretamente começa a abordar o lado micro de como baixar essas taxas.
Essa agenda busca a diminuição dos spreads, que, como boa jabuticaba brasileira, tem diversos fatores que explicam as taxas exageradamente elevadas, como a elevada tributação e a dificuldade de recuperação de créditos até a alta concentração bancária. O Banco Central, junto como o Ministério da Fazenda, tem atuado para que os spreads diminuam, por exemplo, através do cadastro positivo impositivo, que ainda está emperrado no Congresso. Essencial para isso será o aumento da presença das fintechs e da tecnologia de blockchain, que promete revolucionar a capacidade de tomada de crédito no futuro pela menor dependência das grandes casas bancárias para tal. Aqui a tecnologia terá o papel de forçar os bancos a repensarem seus spreads se quiserem continuar crescendo.
Parece bom, não é? Só que a eleição deste ano pode enterrar todo esse cenário. A depender de quem ganhar, voltaremos a discutir coisas básicas, como o que fazer para diminuir a inflação que voltou por política macro equivocada da nova equipe econômica. No momento, com os nomes que temos, o que discutimos aqui poderia ser lembrado como algo efêmero novamente. Talvez o normal do país seja tatear constantemente a lama. Veremos no final do ano.
Fonte: “Exame”, 27/03/2018