É comum apontar a dificuldae de articulação política como o maior desafio do governo Jair Bolsonaro. Mas essa, ao menos, é uma questão cuja solução pode estar a seu alcance. Bolsonaro terá de enfrentar outro problema de natureza distinta, sobre o qual não tem nenhuma ingerência: o cenário econômico externo.
Forma-se aos poucos o consenso entre os analistas de que a economia global dá sinais de esgotamento. Quebrou o motor que permitiu sua recuperação nos últimos anos, a relação China-Estados Unidos. Com a guerra comercial deflagrada pelas tarifas de US$ 250 bilhões impostas pelo governo Trump, o clima azedou.
A cúpula dos países do Pacífico, realizada neste fim de semana em Port Moresby, na Papua Nova Guiné, terminou sem nenhum comunicado oficial pela primeira vez em 29 anos, tal o desentendimento entre o vice-presidente americano, Mike Pence, e o líder chinês Xi Jinping. Nem mesmo um texto anódino conseguiram negociar.
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Já era previsto o arrefecimento da economia chinesa, resultado da tentativa do governo para lidar com um nível de endividamento interno em torno de 250% do PIB (eram 150% dez anos atrás). O crescimento previsto para 2019 é o menor desde 1990, ao redor de 6%.
O enfrentamento inesperado com os americanos deixa Xi com menos opções para estimular sua economia e cumprir a meta agressiva de levar o país ao desenvolvimento econômico até a metade do século.
Do lado americano, a situação também não é confortável. Apesar de uma recessão ser improvável e de os Estados Unidos dependerem menos das exportações para crescer (elas representam 12% do PIB), o déficit fiscal e a pressão inflacionária geram uma inquietação que tem derrubado as bolsas nos últimos dias.
O governo Trump ampliou o buraco fiscal americano de 3,5% para 3,9% do PIB em 2018 (perto de US$ 780 bilhões). O país tem a menor taxa de desemprego das últimas décadas (3,7%), e os salários subiram mais de 3% este ano. É alta a chance de que o presidente do Fed, Jay Powell, adote um ritmo mais forte de alta nos juros.
Outro sinal de superaquecimento está no mercado imobiliário. As agências para-estatais de financiamento voltaram a operar no ritmo anterior à crise imobiliária de 2008. O Fundo Monetário Internacional (FMI) lançou na semana passada um alerta para o preocupante nível de alavancagem nos empréstimos globais, em especial nos Estados Unidos.
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Empresas de crédito especulativo atingiram o recorde de endividamento em 2017: US$ 788 bilhões, valor superior aos US$ 762 bilhões anteriores à crise. “Os Estados Unidos foram de longe o maior mercado no ano passado, responsáveis por US$ 564 bilhões dos novos empréstimos”, diz o FMI. O fundo estima ao todo em US$ 1,3 trilhão o risco embutido na alavancagem privada global.
O setor público americano não fica atrás. Para financiar o déficit fiscal de Trump, o Fed precisará emitir este ano algo como US$ 350 bilhões em novos papeis. Isso se soma ao balanço ainda inflado do Fed, que saltou de US$ 870 bilhões antes da crise de 2008 para 4,5 trilhões em 2014 e, desde então, sofreu queda modesta, para pouco abaixo de 4,2 trilhões.
Alemanha e Japão já começaram a sofrer as consequências da nova maré recessiva e registraram contração econômica no terceiro trimestre. Produtores de petróleo reduziram sua previsão de demanda para o ano que vem. No cenário menos expansivo, cada país tentará cuidar do seu.
Quando Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder, em 2003, sua inexperiência foi compensada pelo cenário internacional favorável, com alta no preço das commodities. O PT contou ainda com a sorte da descoberta do pré-sal, que lhe permitiu escamotear a lambança fiscal e o abuso financeiro de estatais como BNDES e Petrobras.
A inexperiência de Bolsonaro é maior a de Lula ao assumir o poder e, aparentemente, ele não contará com bons ventos soprando de fora.
Fonte: “G1”, 19/11/2018