Nos seis dias de debates como líder do governo no Parlamento britânico, o premiê Boris Johnson conseguiu a façanha de não obter uma única vitória. Como resultado, persiste no Reino Unido a incógnita sobre o desfecho da interminável novela do Brexit, ainda previsto para o próximo dia 31 de outubro,
Só ontem, Boris perdeu quatro votações. Na mais importante, os parlamentares rejeitaram na madrugada seu pedido para antecipar as eleições para 15 de outubro. A medida recebeu 56 votos contra e apenas 298 a favor, aquém dos 434 necessários (dois terços da Casa).
Com isso, fracassou a estratégia concebida por Boris de suspender a sessão parlamentar por cinco semanas, para tentar evitar novos debates sobre o Brexit e forçar a saída sem acordo da União Europeia (UE) em 31 de outubro. Ao final dos trabalhos de ontem, entrou em vigor a suspensão até 14 de outubro concedida pela rainha, mas o Parlamento afastou (ao menos legalmente) a possibilidade de Brexit sem acordo.
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Na última semana, ambas as Casas parlamentares aprovaram a lei que obriga o premiê a pedir uma extensão de três meses no prazo de saída caso não consiga aprovar um novo acordo com a UE nem obtenha autorização expressa para o divórcio sem acordo. A lei entrou ontem em vigor ao receber a chancela real.
O presidente da Câmara dos Comuns, John Bercow, também anunciou ontem que deixará o cargo em 31 de outubro, depois de dez anos. Bercow, cuja função exige isenção, sempre foi acusado por partidários do Brexit de dificultar a vida deles.
Noutras derrotas de Boris ao longo da extensa sessão de ontem, os parlamentares votaram por obrigar o governo a publicar as mensagens trocadas pelos assessores de Boris sobre a decisão de suspender o Parlamento e também o relatório oficial (ainda secreto) sobre os preparativos para o divórcio sem acordo, conhecidos como Operação Yellowhammer. Nesse cenário, consequências catastróficas para a economia se fariam sentir nos próximos meses.
Finalmente, o líder trabalhista, Jeremy Corbyn, derrotou Boris numa moção para obrigar o premiê a seguir a lei. Trata-se apenas de uma formalidade, tentativa de evitar que Boris deixe de pedir a extensão de prazo para o Brexit, em desafio à nova legislação.
Depois de vencer a eleição para líder dos conservadores proclamando que o Brexit ocorreria em 31 de outubro “do or die” – vivo ou morto –, Boris disse que preferia “morrer numa trincheira” a pedir o adiamento. O que acontecerá, portanto, ainda é incerto. Eis os principais cenários:
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- Novo acordo – Boris consegue obter da UE concessões relativas ao mecanismo criado para manter aberta a fronteira irlandesa até um acordo definitivo (“backstop”), e esse acordo é aprovado no Parlamento até o final de outubro. Nesse caso, o Reino Unido sai da UE como programado. Embora Boris tenha ido ontem à Irlanda tentar negociar, é irrisória a chance de que a UE aceite rever o acordo fechado por Theresa May no final do ano passado. Menor ainda, a de que Boris engula o “backstop” e aceite levar o acordo de May novamente a votação (já foi derrotado três vezes graças ao voto dele e dos radicais do Brexit). É, portanto, um cenário altamente improvável.
- Adiamento até 31 de janeiro – Na falta de acordo, Boris engole seu orgulho e pede à UE a extensão determinada pela lei recém-aprovada. A dúvida aí é se a UE aceitará o pedido. É necessário o aval de todos os demais 27 países do bloco. O chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, declarou no fim de semana sua reticência, argumentando que o Reino Unido precisa decidir o que quer, em vez de pedir toda hora um novo adiamento (seria o terceiro). A UE está se preparando para o trauma da saída sem acordo, cujo impacto também seria negativo, mas menos caótico que para o Reino Unido.
- Adiamento por período mais curto – Mesmo que resista a adiar o Brexit por tanto tempo, a UE poderia aceitar um adiamento mais curto, pelo menos até a realização de novas eleições que dessem um mandato mais seguro ao premiê. No Reino Unido são necessários pelo menos 25 dias entre a convocação e a realização de novas eleições. Com a suspensão do Parlamento, estão, portanto, descartadas eleições em outubro como queria Boris. Mas elas poderiam ocorrem em novembro ou até o início de dezembro.
- Renúncia de Boris – Na impossibilidade de pôr em prática seu plano de Brexit em 31 de outubro de qualquer maneira, Boris pode preferir renunciar a permanecer no cargo até as novas eleições. Nesse caso, o Parlamento teria um premiê pelo período tampão. Mesmo com a perda de 21 deputados (expulsos por votar contra a determinação do partido), a renúncia do próprio irmão de Boris, Jo Johnson, e a debandada que ainda prossegue entre os Tories (a última a sair do governo foi a ministra Amber Rudd), os conservadores ainda são favoritos a vencer as eleições. Boris tenta, com seu fervor pelo Brexit de qualquer jeito, atrair o eleitor radical que votou no Partido do Brexit nas eleições europeias de maio. Mesmo assim, a confusão no país é tamanha, que é impossível garantir que ele voltaria com poder para pôr seus planos em prática.
- Saída sem acordo – Seja porque Boris resiste a cumprir a lei (e prefere enfrentar uma batalha judicial), seja porque a UE se recusa a adiar o Brexit, o Reino Unido deixa o bloco no dia 31 de outubro. Nesse caso, o impacto seria dramático, com novas tarifas e barreiras não-tarifárias aplicadas sobre exportações, novos controles de passaporte e alfândegas (em especial na fronteira entre as Irlandas), residentes europeus numa espécie de limbo jurídico no Reino Unido, dificuldades na execução de mandados de prisão e uma queda na renda per capita estimada em até 9% ao longo dos próximos dez anos. O dano não seria comparável ao de uma explosão nuclear que destrói tudo em 1º de novembro, mas ao de uma erva daninha que aos poucos devasta o país e o reduz à insignificância.
Fonte: “G1”, 10/09/2019