O eleitor médio brasileiro está muito longe de agir como um “deus da vingança e da recompensa” —a expressão famosa é de V. O. Key (1908-1963). Para punir ou premiar pelo desempenho, ele ou ela deve ser capaz de atribuir responsabilidades. Como demonstrou Margit Tavits (Universidade de Washington), a corrupção e a ineficiência grassam onde não há clareza de responsabilidade.
Destaco três fatores que minam a capacidade de escolher, premiar e punir agentes políticos: partidos fracos; coalizões superdimensionadas/heterogêneas e corrupção sistêmica.
Os partidos não funcionam como “atalhos cognitivos” para os eleitores como ocorre com as marcas na escolha de itens de consumo pelo consumidor. Quando a identificação partidária média é baixa, o voto passa a se basear em heurísticas de baixa eficiência, como bravatas populistas e hiper-personalismos.
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As coalizões superdimensionadas são produtos da colossal fragmentação política. A questão ubíqua para os candidatos majoritários tornou-se com que coalizão irão governar. As coalizões embaraçam a responsabilização: é fácil atribuir a culpa pelo mau desempenho a parceiros da coalizão. Pode-se afirmar que foram corruptos, incompetentes, ou “traidores”. Pior quando as coalizões são pós eleitorais (como as que envolveram o PMDB, PP e PR nos governos Lula), pois o eleitor não é informado sobre alianças.
Mas a heterogeneidade das coalizões reflete também escolhas. O mais grave são as coligações envolvendo antípodas programáticos (como a PT-PRB) em um padrão difícil de enxergar em qualquer outro país. Embora menos radical por se tratar de partidos contíguos no espaço ideológico, a atual coligação do PSDB com o centrão acarreta baixa inteligibilidade para o eleitor em uma disputa marcada por duas dimensões (mais sobre este ponto ao final).
O oportunismo das coalizões produz profundo cinismo cívico: não há como o PT explicar a seu eleitorado a quem punir e premiar se a narrativa do golpe conflita com as alianças feitas com “golpistas”, o congraçamento despudorado entre algozes e vítimas nos palanques. A polarização mitiga mas não elimina o cinismo resultante.
A disputa em curso contém três dimensões ortogonais: a do desempenho, a ideológica e a da probidade. Por serem dimensões independentes —há candidatos de esquerda, centro e direita corruptos— a capacidade de punir e premiar reduz-se ainda mais! O dilema do eleitor é se irá punir candidatos corruptos que expressam suas preferências ou punir candidatos probos que advogam políticas indesejáveis. Ou o candidato que “rouba, mas faz”, e expresse suas preferências.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10/09/2018