Os policiais do Rio Grande do Norte não receberam seus vencimentos de dezembro nem o equivalente ao 13.º salário. Por isso pararam de trabalhar, comprometendo gravemente a segurança pública do Estado. Alegam também não ter condições de entrar em ação porque a frota está sucatada e os equipamentos à sua disposição não lhes permitem enfrentar o cotidiano arriscado e violento em condições condizentes. Não são, como se vê, só pretextos.
A desembargadora Judite Nunes considerou o aquartelamento dos policiais militares e a paralisação dos civis indícios de greve dos agentes estaduais de segurança e isso não é permitido por lei. Mas os policiais não voltaram a patrulhar as ruas e as delegacias continuaram sem funcionar. O desembargador Cláudio Santos, do Tribunal de Justiça, então, determinou que o comandante da Polícia Militar e o secretário de Segurança Pública prendessem os amotinados. Estes se reuniram, algemaram-se a si próprios, num gesto de rebeldia e desafio, mas não foram, e ainda não estão, presos. A solução encontrada foi mandar tropas federais para o Estado sem polícia. Até quando? Quem garante o quê nessa situação? A quem o cidadão desarmado e à mercê de bandidos armados até os dentes na rua deve apelar? Ao papa argentino? Ao bei de Túnis? À Virgem Maria? Ou a Iemanjá, a rainha do mar?
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O impasse do Rio Grande do Norte não foi isolado, nem único, nem singular. Os servidores do outro Rio Grande, o do Sul, tomam dinheiro emprestado em bancos para sustentar a família, já que o disponível nos cofres do Estado não lhes supre as necessidades. É o caso de outra Unidade da Federação com nome de Rio, o de Janeiro. Sem recursos para pagar suas contas, funcionários fluminenses reúnem-se nas ruas, gritam palavras de ordem, armam barricadas e queimam pneus. Em vão! Em Aparecida de Goiânia, as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, e Comando Vermelho (CV), do Rio, degolam, trucidam e incineram os oponentes ao lado.
Sete dos nove governadores do Nordeste atribuem a situação terminal de seus presídios à inerte insensibilidade do governo federal. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, recebe as críticas sem humildade, com quatro pedras na mão. Nessa pendência ninguém tem razão. Os Estados, entes federativos responsáveis pela segurança dos cidadãos, desperdiçam quase tudo o que arrecadam em salários, penduricalhos e outros privilégios do corpo funcional inchado e disforme, cujo dispêndio é desproporcional à capacidade do erário. A União, que deveria mais propriamente ser chamada de Desunião, ocupa-se em distribuir emendas orçamentárias para manter prerrogativas, como o foro privilegiado.
Como não há mais bei em Túnis e os prelados católicos já não dispõem de patrimônio para alimentar e vestir os servidores flagelados, os governadores rebelados apelam ao que lhes parece disponível: o Judiciário. Pediram audiência à presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e, como parece não ter mais a fazer, Cármen Lúcia os recebe. A exemplo dos cavaleiros gaúchos do célebre poema do folgazão pernambucano Ascenso Ferreira, “para quê? Para nada!”. Na reunião, a procuradora de origem só pode usar belas frases inúteis e vazias de sempre. De nada servem. E os chefes dos Executivos estaduais entram e saem de mãos abanando.
Na presidência do STF, Cármen Lúcia interpreta as fadas dos contos infantis e tem valia similar à delas. Em 2017, também presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ela visitou presídios do País, mas passou ao largo de Aparecida de Goiânia, pois o governador de Goiás, Marconi Perillo, achou que seria impróprio. Agora ele mudou de opinião, mas repetiu-se o forfait: não tinha o que fazer lá. Em 2014, e há dois meses, ela encarregou subordinados de fazerem relatórios sobre a prisão. Nada mudou e veio o réveillon do horror.
Seria o caso de, em reuniões como essa, ou quando dispara ordens para que preparem relatórios que só repetem os anteriores e nada produzem de efetivo, dona Cármen e seus dez pares da távola-ferradura se darem as mãos e entoarem em coro, fazendo eco a Roger Moreira e ao Ultraje a Rigor: “Inútel, a gente somos inútel”. Mas, não: enquanto o governador Perillo faltava ao expediente e se escondia da crise pulando as sete ondinhas para Iemanjá numa praia de Pernambuco, Cármen, no plantão do último recesso, antes de passar coroa e cetro para Dias Toffoli, não podia ter perdido essa chance para proferir mais uma frase de efeito. Ela já disse: “Cala a boca nunca mais”. E mais: “O cinismo venceu a esperança e agora o escárnio venceu o cinismo”. Não seria esta a hora de o inócuo derrotar o escárnio? É o que parece!
Hoje nossos presídios são puxadinhos dos palácios. Serviçais de Geddel Vieira Lima, residente na Papuda, em Brasília, cuidam de seus interesses na Secretaria de Governo, sob Carlos Marun, capanga de Eduardo Cunha, que mora numa cela, em Curitiba. A ministra a ser encarregada da reforma trabalhista foi indicada por papai, o ex-presidiário Roberto Jefferson, delator, réu confesso do mensalão, indultado por Dilma e perdoado pelo STF, sempre apto a soltar, nunca disposto a prender. A filhota, condenada por violar as leis trabalhistas, paga acordo com outro “ex-escravo” dispondo da conta bancária de uma assessora, da mesma forma que Job Brandão, ex-empregado da famiglia Vieira Lima, “doava” 80% dos vencimentos às contas dos chefões. A débil gestão Temer caiu… por enquanto na galhofa geral. E se prepara para não reformar a Previdência, mesmo com a ficha-sujíssima sra. Brasil na equipe.
Sendo Cármen Lúcia inapta e inepta para decepar o nó górdio que pretende desatar, e à falta de beis e bispos, a plateia pagante do show só exige que se investiguem todos os suspeitos e se prendam todos os culpados, sob pena de este sr. Brasil velho não ter mais cura.
Fonte: “Estadão”, 10/01/2018
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