Desde a descoberta do pré-sal, governo e empresas estudam alternativas de financiamento competitivas para acelerar investimentos na exploração e desenvolvimento. Neste contexto, vem sendo discutida a viabilidade da adoção da Reserve Based Lending (RBL, ou empréstimo lastreado em reservas), modalidade de financiamento amplamente difundida nos EUA desde 1970 e uma das principais fontes de financiamento da indústria do shale norte-americana, que foi responsável por mais de 90% do crescimento da produção de óleo e gás dos EUA entre 2009 e 2018.
Essa modalidade de financiamento se assemelha às estruturas existentes de project finance e asset-based lending, ou seja, instrumentos de dívidas que são contratados tendo como lastro a geração de caixa de projetos – no caso da RBL, reservas provadas de companhias de petróleo, em que se antecipam recursos por intermédio de bancos para serem aplicados majoritariamente no financiamento dos investimentos pré-produção dos campos. Essa alternativa costuma ter prazo de cinco a sete anos e, geralmente, é contratada na modalidade bullet, com pagamento do principal somente no vencimento da dívida.
Análogos às estruturas típicas de project finance, os RBL têm cláusulas restritivas (covenants), como um limite de endividamento líquido sobre o EBITDAX menor do que 4.0x e cobertura de juros acima de 1.0x. Dentre as vantagens, permitem que se contrate dívida não onerosa (non-recourse) à companhia subjacente, portanto ampliando a capacidade de endividamento de uma companhia por intermédio dessas estruturas. Estruturas de RBL são bastante utilizadas em regime de partilha de produção.
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A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis vem discutindo desde 2016 (Consulta Pública #15) como introduzir essa alternativa de financiamento, tendo realizado workshop temático em dezembro de 2017 e publicado minuta de resolução em novembro de 2018 no âmbito da Consulta Pública #28.
A adoção da RBL no Brasil é oportuna por dois motivos: permitir que novos agentes de pequeno e de médio portes possam participar da exploração e produção de petróleo e gás e possibilitar ao governo estudar a antecipação de recursos no âmbito de seu esforço fiscal por intermédio da Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA).
Analisando as cinco rodadas no regime de partilha de 2013 até 2018, o governo arrecadou R$ 31 bilhões em bônus de assinatura e obteve um ágio médio de 150% no porcentual de partilha, em comparação com os porcentuais mínimos. Se assumíssemos a curva futura de petróleo atual (preços de petróleo tipo Brent entre US$ 65 e US$ 70), a curva de aprendizado com o pré-sal (reduzindo o capex por poço para US$ 100 milhões), produtividade média de 25 mil barris por dia, um fator de recuperação dos recursos prováveis de 35% e o porcentual máximo antecipável para reservas não desenvolvidas em estruturas de RBL de 60%, o governo brasileiro poderia antecipar entre R$ 65 bilhões e R$ 100 bilhões, utilizando uma taxa de desconto de 10%.
Entre as desvantagens da modalidade de RBL está o fato de que o montante disponível não é imutável e é revisto periodicamente dependendo do comportamento de variáveis como preço de petróleo, curva de produção, custos de extração e produção ou qualquer variável que possa interferir no fluxo de caixa que está sendo considerado como base para o empréstimo. Apesar das desvantagens – inerentes a estruturas de empréstimos lastreadas em ativos e/ou fluxos de caixa futuros –, o momento atual é oportuno para que o governo analise essa opção como indutora da possível aceleração de investimentos via fundo social e também como mais uma ferramenta de atração de novos atores. Uma possível aplicação como ferramenta de alcançar a meta de superávit primário também não deveria ser descartada.
O mercado de RBL é bastante maduro globalmente. Bancos internacionais têm ampla experiência na modalidade, tendo, inclusive, vivenciado situações de estresse quando da queda dos preços de petróleo para US$ 30 o barril e as consequentes pressões que surgiram de refinanciamento.
Fonte: “Estadão”, 06/04/2019