A campanha pró-Bolsonaro – e incluo nela não apenas a campanha formal do candidato e de seus apoiadores mais próximos mas também todas as milhares de pessoas que voluntariamente criam e compartilham conteúdo pró-Bolsonaro – levou a arte da fake news a um novo nível. Para usar a imagem que Emílio Odebrecht usou para se referir à corrupção do PT, os bolsonaristas abriram a goela das fake news. Nada do que foi feito nesta eleição é qualitativamente novo, mas foi tudo levado a uma escala monstruosa.
Grupos de Whatsapp, principal meio de replicação do conteúdo na guerrilha de campanha, nadam em meio a um mar de boatos, fotos enganosas e manipuladas, notícias falsas, depoimentos fraudulentos e toda uma série de outras formas de enganar o eleitor. Isso é sério e pode ter efeitos muito danosos à democracia. Numa recente pesquisa relatada em artigo para o New York Times, pesquisadores brasileiros descobriram que, das 50 imagens políticas mais compartilhadas em 347 grupos de Whatsapp entre 16 de agosto e 7 de outubro, apenas 8% eram completamente verazes; o resto ou mentia ou distorcia informações.
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Num apelo ao Whatsapp, os autores pedem que ele adote três medidas para limitar o impacto das notícias falsas nesta reta final da campanha: limitar o quantidade de vezes que uma mensagem pode ser replicada; limitar o número de pessoas para quem o usuário pode mandar uma mesma mensagem; e limitar o número de usuários permitido em novos grupos.
Não tenho dúvidas de que, neste prazo curtíssimo, essas medidas teriam o efeito desejado: restringiriam a capacidade das duas campanhas difundirem fake news. Não sou, contudo, favorável às medidas.
Em primeiro lugar porque há um quê de desespero politicamente motivado. Como já deixei claro nesta coluna, vejo com muito maus olhos a candidatura de Bolsonaro à presidência, mas não acho que ela deva ser tratada como algo a ser combatido pelas instituições que subjazem nosso debate público. E medidas emergenciais para acabar com campanhas mentirosas de outros partidos, por que nunca foram tomadas?
Em segundo lugar, porque esse tipo de medida tem duração muito curta. No primeiro momento, a máquina de fake news seria seriamente impactada com as restrições. Em seguida, se adaptaria a elas: faria mais perfis de usuários, criaria mais grupos, faria mais mensagens (com mudanças ínfimas entre uma e outra, apenas para burlar o limite de compartilhamentos de cada mensagem). Aumentaria um pouco o custo de viralizar conteúdo: as empresas especializadas no jogo sujo tirariam isso de letra; os pequenos geradores de conteúdo autônomo teriam mais dificuldade de fazer suas mensagens circular.
Para as próximas eleições, precisaríamos de regras ainda mais restritivas (e não previstas pelas campanhas, que podem se planejar para restrições futuras), e assim sucessivamente. No final das contas, o único jeito de acabar com as fake news difundidas pelo Whatsapp seria acabar com a própria funcionalidade da ferramenta. Não poderia ser usado nem para o bem, nem para o mal.
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O Whatsapp é uma ferramenta de comunicação com enorme potencial. No momento, esse potencial tem sido mais bem utilizado por grupos mal-intencionados. É preciso que os bons se apoderem dessa ferramenta também. Nas décadas seguintes à invenção da imprensa de tipos móveis por Guttenberg, a quantidade de livros e panfletos alarmistas que foi publicada era enorme. Aos poucos, um mercado editorial com profissionais capazes de separar o lixo do bom conteúdo – e autores com uma reputação a zelar – foi se formando. A mentira sempre fez parte da política e a boataria sempre correu solta. A consolidação da mídia profissional empurrou os boatos e fraudes para as margens, e agora, com a pulverização da comunicação permitida pelas redes sociais, eles voltam ao mainstream.
Precisamos, da mesma forma, de geradores de conteúdo bons para o Whatsapp: jornais, revistas e formadores de opinião que façam áudios e vídeos pensando na ferramenta como um de seus meios de divulgação.
Por fim, precisamos também de regras claras para punir quem cria e espalha notícias falsas de forma maliciosa durante uma campanha eleitoral.
Em tudo isso, contudo, ainda estamos olhando apenas para o efeito: as fake news, e não para as causas. O que precisa ser endereçado é a tendência das pessoas a acreditar em notícias falsas e boatos de estranhos no Whatsapp. Duvidam do que dizem os principais jornais do país, mas aceitam acriticamente a mentira absurda que reafirma sua visão de mundo. Até que consigamos atuar a fundo nesse nível, o melhor que podemos fazer é combater as fake news com as armas da Justiça e, mais importante, nossa capacidade de gerar informação de qualidade e qualificar o debate. Nunca lideranças intelectuais capazes de dialogar com o público foram tão necessárias como agora.
Fonte: “Exame”, 18/10/2018