Alvin Toffler, na década de 1980, lançou um livro com o título A Terceira Onda, no qual preconizava o mundo futuro da tecnologia, que substituiria em grande parte a mão de obra repetitiva da indústria e da agricultura, mostrando como a sociedade de serviços, que denominou “terceira onda”, dominaria o mundo. Não tinha dados suficientes para saber até que ponto, com o crescimento da população humana e a redução constante de mão de obra da indústria e da agricultura, seria esta substituída pelas oportunidades abertas na área de serviços, que teria como base uma considerável elevação do nível educacional e cultural dos empregados, no porvir.
No livro, todavia, havia uma séria preocupação quanto aos “integradores do poder”, expressão que utilizava para denominar os “burocratas”, aqueles que, com os políticos, governam os países.
Numa de suas reflexões declarava que, para se sustentarem no poder, os “integradores” geram novos “integradores” e criam novas exigências sobre a sociedade para que não perderem seus cargos, vaticinando que, no futuro, seriam mais importantes que os políticos. Isso porque estes passam e aqueles, não.
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O Brasil, infelizmente, constitui a mais clara realização da profecia toffleriana, pois aqui os burocratas comandam o País, multiplicam as exigências sobre a sociedade, atrapalhando qualquer sonho de desenvolvimento, multiplicando-se de uma forma assustadora, com direitos que se auto-outorgam e devem ser suportados pelo povo a um custo que parece estar levando a Nação à Idade Média, quando os servos da gleba sustentavam, com seu trabalho e riqueza, o ócio dos senhores feudais e de sua casta.
Comecemos com o sistema tributário, irracional, confuso e de impossível interpretação científica pelos maiores especialistas. No momento em que se permite aos agentes do erário atribuir a qualquer operação empresarial a suspeita de planejamento tributário e, mesmo que o empresário siga rigorosamente a lei, mas não escolha o caminho mais oneroso de pagar tributos, deve ele ser considerado sonegador e apenado com elevadíssimas multas, cria-se fantástica insegurança jurídica. A função do fisco passa a ser não a de orientar o contribuinte, mas exclusivamente a de obter, legal ou ilegalmente, recursos para sustentar a esclerosada máquina burocrática, intocável em seus direitos “feudalísticos”. Não se pode esquecer que a carga tributária brasileira é superior à de EUA, China, Japão, Suíça, Coreia do Sul, México e de quase todos os países emergentes.
Assim é que 13,4 milhões de servidores públicos (ativos e inativos, civis e militares) – ou seja, 6,44% da população brasileira, sendo 2,2 milhões federais, 4,7 milhões estaduais e 6,5 milhões municipais – gastaram em 2017 o correspondente a 15,90% do produto interno bruto (PIB), vale dizer, consumiram 49,20% da carga tributária, que foi de 32,38% do PIB em 2016.
Por outro lado, os governantes brasileiros deste século, principalmente os dos 13 anos de domínio da esquerda, levaram ao poder seus aliados, prevalecendo a preferência ideológica à eficiência do servidor público. Catapultaram-se, dessa forma, espetaculares escândalos de corrupção (mensalão e petrolão), assim como se exacerbou o corporativismo dos enquistados no poder com monumental má aplicação de recursos, produzindo, nada obstante a elevadíssima carga tributária, uma queda no PIB, só nos dois últimos anos levemente recuperada, tendo havido uma lamentável redução no investimento para o desenvolvimento. Perdemos, pois, competitividade internacional, estando o País a navegar nas águas turbulentas da descrença generalizada, com 13 milhões de desempregados, à custa da preservação de todos os intocáveis privilégios dos burocratas brasilienses.
O pior, todavia, reside na instabilidade institucional criada. Sendo função da burocracia não auxiliar, mas complicar a vida do cidadão para se manter no poder, todas as reformas que objetivavam tornar todos os brasileiros iguais (governantes e povo), simplificar a legislação, torná-la compreensível para os que devem cumpri-la, reduzir a ineficiente máquina estatal, fazer que a que Federação coubesse no PIB foram boicotadas na “Versalhes brasileira do século 21” (Brasília), com o apoio de uma classe política acuada por investigações e denúncias decorrentes dos escândalos gestados desde o início do século.
E, à evidência, tudo isso regado com uma superinflação de leis criadas por políticos e burocratas. A todo momento alguma lei é descumprida e os salvadores da pátria, revestidos do sagrado dever de não permitir que nada desse arsenal legislativo seja atingido, põem sob suspeita todo e qualquer cidadão, utilizando-se sempre da estratégia de promover um escândalo público, via imprensa, para facilitar seu trabalho punitivo. Nesse quadro, a confiança de brasileiros e estrangeiros tem sido cada vez menor num país onde a racionalidade do poder há muito deixou de existir.
Um Poder Judiciário invasor de funções legislativas e executivas, um Legislativo em grande parte manietado por desvios e investigações, um Executivo dominado pela burocracia, uma carga tributária insuportável para sustentar a casta dominante e uma sociedade exaurida, isso é o que restou deste país exangue e dividido pela pior das ditaduras, que é a dos privilegiados, os únicos que podem mudar o curso da história, mas que não o fazem porque não desejam perder suas benesses.
Em meu livro Uma Breve Teoria do Poder, tristemente concluí que, através da História, a função do detentor do poder sempre foi não servir, mas manter o poder, representando, pois, o grande obstáculo que vivemos, na democracia brasileira, que, apesar de eleições sucessivas, continua sendo destruída pelo corporativismo burocrático.
Fonte: “Estadão”, 15/09/2018
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