Semana passada Paulo Guedes anunciou que vai enviar ao Congresso uma proposta de reforma da previdência que não somente promoverá mudanças nas regras de aposentadoria para os atuais trabalhadores, mas que também vai criar um regime de capitalização para os trabalhadores que ainda entrarão no mercado de trabalho.
Uma das propostas de reforma da previdência que está sendo analisada pela equipe econômica foi coordenada por Paulo Tafner, com contribuições de vários especialistas no tema. Os elementos gerais da proposta foram discutidos neste espaço no final de novembro. Neste artigo vou discutir em mais detalhe seu componente de capitalização.
Além de propor várias mudanças paramétricas no regime de repartição para aqueles que já ingressaram no mercado de trabalho, a proposta de Tafner cria um novo regime previdenciário para os nascidos em 2014. A nova previdência é baseada em três pilares. O primeiro consiste em uma renda básica universal financiada pelo Tesouro, acessível a todos os brasileiros de 65 anos, independentemente de contribuições ou nível de renda. O valor proposto é de R$ 668 em valores atuais (70% do salário mínimo).
O segundo componente é um pilar de repartição, no qual as contribuições dos trabalhadores da ativa financiam parte dos benefícios previdenciários dos aposentados, que corresponde ao modelo atual. O componente de repartição continuaria a existir, mas seria decrescente ao longo do tempo.
O terceiro pilar é um sistema de capitalização, em que cada trabalhador contribui para sua própria aposentadoria. A alíquota de contribuição para a parcela do salário correspondente à camada de capitalização seria de 17% (8,5% do empregado e 8,5% do empregador), bem abaixo da vigente hoje, que pode atingir 31% (11% do empregado e 20% do empregador). O componente de capitalização poderia ser complementado com uma parcela de até 25% dos recursos do FGTS.
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Alguns detalhes ajudam a entender como se dará a transição do regime atual de repartição para o novo sistema. Em 2018, o teto do Regime Geral de Previdência Social foi de R$ 5.645,81, financiado integralmente no regime de repartição. No novo regime de previdência, o componente de repartição cai gradualmente ao longo do tempo, até que sua soma com a renda básica universal atinja 70% do valor atual do teto em 2040 (R$ 3.952,07 em valores de 2018), permanecendo constante em termos reais daí em diante. De forma correspondente, o componente de capitalização aumenta gradualmente, passando em 2040 a incidir sobre valores superiores a 70% do atual teto do regime geral
A transição para o regime previdenciário com um pilar de capitalização envolve custos associados ao fato de que os novos trabalhadores passarão a contribuir cada vez menos para o financiamento dos atuais aposentados e cada vez mais para sua própria aposentadoria.
Na proposta de Tafner, o custo de transição é reduzido pelo fato de que o novo regime previdenciário abrangerá somente os nascidos em 2014, que ingressarão no mercado de trabalho a partir de 2030. Além disso, nem todos os jovens vão começar a trabalhar aos 16 anos e seus salários são relativamente baixos quando ingressam no mercado de trabalho.
Isso significa que, nos primeiros anos a partir de 2030, não haveria perda significativa de receita. Somente a partir de 2040, quando o componente de capitalização atinge 30% do teto atual, é que as perdas começariam a se elevar. Mesmo nesse caso, a redução média anual da receita previdenciária seria de apenas R$ 5,8 bilhões entre 2040 e 2050.
Além disso, quando os custos de transição estiverem aumentando de forma mais rápida, já estarão sendo obtidos os ganhos fiscais associados às mudanças paramétricas do regime atual, como o estabelecimento de idade mínima de 65 anos.
Outra proposta na mesma linha, que aparentemente está sendo considerada pela equipe econômica, foi coordenada por Hélio Zylberstajn. Ela também cria um sistema de três pilares para os novos trabalhadores, mas abrange todos os nascidos a partir de 2005, começando a ter efeitos já a partir de 2020.
O valor da renda básica universal é de R$ 550 que, somada ao componente de repartição, teria um teto de R$ 2.200. Para os que ganham acima de R$ 2.200, seria criado um pilar de capitalização financiado com recursos do FGTS. Inicialmente, seria criada uma reserva equivalente a três salários para custear o seguro desemprego. Uma vez atingido esse montante, o trabalhador poderá adquirir um plano de aposentadoria remunerado a taxas de mercado.
Os custos de transição decorrentes da redução do teto do sistema de repartição seriam financiados em parte por uma alíquota equalizadora de contribuição sobre a folha, que seria reduzida progressivamente até atingir 10% (5% do empregado e 5% do empregador). Outras fontes de recursos seriam aporte de ativos e a destinação à previdência dos recursos do PIS que atualmente vão para o BNDES.
Não faltam, portanto, propostas detalhadas de reforma do sistema previdenciário que incorporam um regime de capitalização. O problema é que uma reforma muito menos ambiciosa já foi proposta por Temer e não avançou no Congresso. A partir de fevereiro vamos descobrir qual a viabilidade política da proposta da gestão Bolsonaro.
Fonte: “Estadão”