A competição por fontes de energia não tem sido necessariamente benéfica para o consumidor cativo. Embora se busque a modicidade tarifária como princípio, o fato de se vender energia incentivada para consumidores livres acaba onerando excessivamente o consumidor cativo, que paga por esse subsídio. Assim, os consumidores livres se beneficiam de preços menores do que preços em situação de competição equânime entre fontes sem subsídios.
Logo, há um processo de transferência de renda um pouco perverso, pois clientes de alta-tensão que têm o benefício das fontes incentivadas, mas cujo poder de compra é superior ao cliente residencial de baixa tensão, se beneficiam de uma oferta de energia barata, já que as tarifas de eletricidade do mercado cativo são oneradas pelo rateio de uma série de subsídios.
Mas o problema não é só direto. Tem, também, o indireto. Com o fato de privilegiarmos as fontes renováveis não convencionais e usinas a fio d’água como suprimento marginal nos últimos 15 anos, aumentamos sobremaneira a volatilidade de preços no curto prazo. Consequentemente, passamos a ter maior dependência de chuvas e do despacho das termoelétricas, mais caras.
Desta forma, o efeito de privilegiar excessivamente tais fontes tem sido negativo para o consumidor cativo, porque transformou o consumidor livre num consumidor subsidiado. O mercado de energia elétrica livre garantiu economia de R$ 118 bilhões a estes consumidores em suas contas de eletricidade nos últimos 16 anos. Atualmente, o mercado livre representa 30% de toda a energia elétrica consumida no Brasil e atende cerca de 6 mil consumidores livres e especiais, que estão entre os maiores do País. Os preços da energia no mercado livre foram em torno de 29% menores que as tarifas reguladas das distribuidoras no mesmo período. Portanto, seria muito importante considerar essas questões no planejamento da flexibilização dos limites para consumidores livres e no planejamento da matriz energética.
Mais de Adriano Pires
Day after do refino
Estados, municípios e a cessão onerosa
O gás natural está na moda
Quando a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) pensa em custo mínimo global para Custo Marginal de Expansão, está correta. Porém, ao não permitir leilões regionais ou por fontes com sinal locacional, acaba-se tendo o risco de, por exemplo, ser construída uma Itaipu de térmicas no Rio de Janeiro e, depois, gastar enormes quantias para levar essa energia até onde está a intermitência (Nordeste e, de certa forma, Norte, pelo regime de chuvas). E isso com a construção de linhas de transmissão de 1 mil km, 2 mil km, etc. Será que se está garantindo o mínimo custo global para o sistema? Ou seria melhor a construção de gasodutos, que permitiriam a apropriação do atributo locacional que as térmicas têm? Isso sem falar na possibilidade de indução de desenvolvimento regional.
Afinal, gasodutos, ao contrário das linhas de transmissão, podem ser seccionados, criando oportunidades para as localidades por onde passa essa infraestrutura. O fato é que daqui para a frente deveria existir uma concorrência entre gasodutos e linhas de transmissão.
Outro tema atual que também envolve subsídios pagos pelo consumidor cativo é o crescimento da geração distribuída. Descentralizar a geração de energia é saudável. A geração distribuída usando a solar é um exemplo de sucesso. Desde que pague pelo uso da rede, para não onerar novamente e desmedidamente o cativo. Tem-se chegado ao absurdo de afirmar que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) estaria taxando o sol. O que está por trás disso é a defesa de um subsídio Robin Hood às avessas, que tira dos pobres para dar aos ricos.
Um melhor planejamento da matriz poderia, e ainda pode, prevenir custos desnecessários aos consumidores cativos e contribuir para o rico e oportuno debate da desoneração da tarifa.
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/10/2019