Por Abram SzajmanIves e Ives Gandra da Silva Martins
O Brasil, desde o Plano Real, adquiriu o direito de ter uma moeda estável, com inflação moderada, dez vezes menor do que a da Argentina para o período. Nesses 25 anos, o real perdeu perante o dólar menos de quatro vezes seu valor, o que para países emergentes é uma vitória.
Em paralelo, a Constituição de 1988 garantiu estabilidade democrática graças à sua excelente espinha dorsal no equilíbrio entre os Poderes e no concernente aos direitos individuais, aspectos que conformam seu perfil de Lei Suprema preparada para um Estado democrático de Direito.
Na ordem econômica, a Constituição encampou, pela primeira vez, a livre iniciativa e o princípio da livre concorrência (artigo 170, inciso IV), tornando facultativo o planejamento econômico para o setor privado (art. 174), além de limitar a presença do Estado na economia apenas por relevante interesse coletivo ou segurança nacional (art. 173).
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O artigo 192, dedicado ao sistema financeiro, que impunha tabelamento de juros, foi revogado por emenda constitucional, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) já o ter afastado.
Apesar dessas sinalizações constitucionais da liberdade econômica e competitividade, o setor financeiro brasileiro é dos mais concentrados do mundo, como recente levantamento do Banco Central sobre ativos totais demonstrou. Os números impactantes são: 82% no Brasil, 37% na China, 62% na Coreia do Sul, 36% na Índia, 70% no México e 42% em Singapura.
Essa concentração de controle do sistema financeiro não existe na esmagadora maioria dos países desenvolvidos ou emergentes de relevância. Ela fere o princípio da livre concorrência e dificulta o desenvolvimento nacional por falta de opções e de competitividade.
O elevado poder financeiro dos bancos possibilita que eles penetrem em outras áreas, com efeitos perversos sobre a competição em diversos segmentos do mercado.
É o caso dos cartões de crédito: os mesmos bancos controlam os emissores, as bandeiras e os credenciadores. Da mesma forma, os bancos podem adquirir instituições com novos modelos de negócios que poderiam representar mais competição no setor. Esse processo levou países como Chile, Austrália e Estados Unidos a adotarem medidas para controlar a verticalização bancária.
No Brasil, também as fintechs, que inovam e otimizam serviços financeiros por meio da tecnologia, com custos operacionais reduzidos em relação aos bancos tradicionais, podem vir a ser absorvidas pelas grandes instituições.
A Fecomercio-SP e seu Conselho Superior de Direito tem discutido a questão, que dificulta a retomada do crescimento. Os juros impostos por um sistema fechado e sem concorrência, muito acima das taxas oficiais, garantem lucros expressivos aos poucos bancos do país. Ao mesmo tempo, impedem a atração de investimentos estrangeiros não especulativos.
É bem verdade que a excessiva burocracia e alta carga tributária são também fatores importantes de desestímulo ao crescimento no país, que ainda não conseguiu cortar os nós górdios de seus principais problemas estruturais.
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Precisamos avançar na luta pela competitividade, que tem no parágrafo 4º do artigo 173 da Constituição a sinalização dos mecanismos de combate à concentração de controle, além de proteção aos usuários de bens e serviços, na ponta do consumo.
Estamos iniciando uma época em que o ideal da concorrência passa a fazer todo o sentido, se desejarmos alcançar o desenvolvimento necessário para recuperar tudo o que já foi perdido. Nesse sentido, a saúde econômica da nação pede uma reflexão sobre a inconveniência da concentração do sistema financeiro, que, ao contrário de ser um obstáculo, deve ser o financiador da esperada expansão e do agigantamento da economia nacional.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 26/05/2019