Infelizmente (e previsivelmente), a resposta do governo à greve dos caminhoneiros foi lamentável. À redução na marra dos preços do diesel (bancados pela Petrobras e pelo Tesouro Nacional) e ao corte dos impostos somou-se a criação da tabela de frete mínimo, mais uma ideia desastrada cujas consequências haverão de nos assombrar mais à frente.
Samuel Pessôa, com a competência habitual, expôs, no domingo (27), nesta Folha, a comédia de erros que levou ao atual estado das coisas, chamando a atenção para o papel das falhas de governo no processo, do impensado subsídio à aquisição de caminhões ao gasto público crescente, cuja contrapartida mais visível é a pesada carga tributária no país.
Se faltava algum componente dantesco à comédia, a noção de que o governo deve regular o preço em transações privadas deve suprir, com folga, essa ausência.
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Concretamente, a fraqueza política da atual administração permitiu que um grupo conseguisse chantagear o país e, seguindo um padrão tristemente conhecido, obter privilégios à custa do restante da sociedade.
Há claramente um excesso de oferta de serviços de frete, seja pelo crescimento da frota, seja pela recuperação ainda modesta da economia. A imposição de um piso para os preços não elimina o excesso de oferta; apenas permite que, se implementado de fato, um grupo mais próximo da liderança do setor (“insiders”) usufrua de preços mais altos, enquanto aqueles à margem (“outsiders”) se verão em condição ainda pior do que hoje.
Além disso, é uma ilusão acreditar que o custo de frete mais elevado não seja repassado, em alguma medida, para o preço final dos produtos.
Replicando o modelo tão conhecido no Brasil, um enorme, porém pouco articulado, grupo de consumidores transferirá renda para um grupo consideravelmente menor, mas que consegue se organizar para obter as benesses do governo.
Funciona com os setores protegidos por tarifas de comércio internacional, ou com acessos a subsídios, bem como toda espécie de meia-entrada, gênero particularmente abundante no país. Por que não funcionaria nesse caso?
Isto dito, o problema maior não é o butim que esse grupo em particular vai levar para casa, como fizeram (e fazem!) tantos outros.
O cerne da questão, que não vem de hoje, é a forma distorcida de operação da economia brasileira.
O jogo econômico segue visto como uma competição de soma zero, em que o ganho de uns corresponde à perda de outros. Assim, quem pode, pela força (como agora) ou pelo “jeito”, convencer o poder moderador a arbitrar em seu favor passa a ter à sua disposição parcela da renda da sociedade.
Enquanto o jogo for esse, não há como ter crescimento rápido, sustentável e inclusivo, dado que implica baixo ritmo de expansão da produtividade, pois o foco da sociedade sai da inovação para a busca de favores governamentais.
Essa é a essência do anticapitalismo nacional, expressa de uma maneira vívida nos últimos dias, que também anunciaram mais sete meses de agonia de uma administração vítima da sua incapacidade de romper com o compadrio.
Ainda assim, isso não é o pior, mas os sinais consistentes de que a sociedade brasileira também não quer o rompimento. Pelo contrário, o quadro eleitoral, com raras e improváveis exceções, é o reflexo de quem reclama dos privilégios alheios, mas se mobiliza como poucos para manter cada um dos seus.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 30/05/2018