Discussão apaixonada de nós contra eles nunca leva a lugar algum. No programa Novo Mercado do Gás o governo tenta, com razão, acabar com o monopólio da Petrobrás e abrir espaço para nova concorrência. De forma equivocada, fala em quebrar o monopólio natural das distribuidoras de gás estaduais e traz a reboque o Gás Liquefeito de Petróleo (GLP), mas parece não entender que o GLP não é gás natural.
No mercado de gás natural, com o fim do monopólio da Petrobrás teremos players importantes, pois não há espaço para free riders, agentes que jogam com os ativos de outros. Já no mercado do GLP existem quase 20 distribuidoras e qualquer um pode entrar no mercado, bastando fazer os investimentos necessários para jogar o mesmo jogo dos demais. Mudar a regulação acabando com a marca fará com que tenhamos do dia para a noite umas 200 distribuidoras, como ocorreu com os combustíveis no governo Collor, causando concorrência desleal, sem queda de preços e gerando insegurança para os consumidores. É preciso analisar este trade-off.
Não existe impeditivo, mas parece que o governo pensa – influenciado pelas promessas dos que não têm capacidade de investir no sistema de garantias ao consumidor – que permitir matar sistemas e manutenção dos botijões e de rastreabilidade de responsabilidade pode aumentar a concorrência.
O governo não tem uma máquina de fiscalização para tomar conta e identificar os fraudadores – sabemos que no mercado atual já não se consegue evitar o transporte e a venda de botijões em pontos de venda informais e clandestinos. O Estado – entendido aqui por todos os elementos, de prefeituras ao governo federal – não consegue impedir que vendas de GLP caiam sob controle de milícias e traficantes. Por que não atacar esses minimonopólios? Ali, nessas comunidades carentes, se paga mais caro por este e outros produtos e as garantias são escassas. Estes serão incentivados a envasar GLP nos cilindros?
O governo está incluindo nas suas contas o custo da bagunça, da anarquia e o custo de aumentar sua capacidade de fiscalização? Claro que não. Se o fizer, arquiva o palpite infeliz, seja o de encher botijões fracionados ou o da venda direta de etanol e, mesmo, a venda de transportadores revendedores retalhistas (TRRs) direto em postos revendedores.
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A presença da marca na comercialização de GLP representa, de um lado, o comprometimento das empresas com o produto fornecido e, de outro, uma proteção ao consumidor, que assim identifica os responsáveis pelo produto. Ou seja, a marca no botijão significa obrigação com os consumidores. E neste debate os consumidores têm sido colocados à margem.
É hora de ter uma Análise de Impacto Regulatória (AIR) feita na Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), começando pela elaboração do problema a ser superado, e parar com o “eu acho” versus “eu não acho”. Esse tipo de debate só aumenta a polarização e tira o foco técnico. O Fla x Flu não é adequado à gravidade do tema.
Claro que é possível encher botijão fracionado. Mas não seriam os que circulam no mercado atual. Por serem embalagens pré-medidas, exigiriam outros botijões, novos, equipados adequadamente, mais caros que os atuais, com mais válvulas de segurança, e os locais não seriam na porta do consumidor. Portanto, as perguntas de uma AIR seriam: que problema queremos superar, como e qual o resultado para a sociedade? Quanto se paga? Quanto se passaria a pagar? Sempre considerando todos os custos estruturais envolvidos. As propostas, da forma como estão colocadas sobre a mesa, têm potencial de gerar desordem, introduzir fraudes e riscos. O resultado será negativo para a sociedade.
No Novo Mercado de Gás, a equação principal está na abertura de possibilidade de múltiplos fornecedores para as distribuidoras, o que trará nova dinâmica concorrencial ao setor. Já no caso do GLP, destruir um sistema virtuoso, para experimentar algo imprevisível, não parece ser o caminho certo para um produto de alta relevância social e de manuseio perigoso.
Queremos mercados concorrenciais ou anárquicos? É sempre bom lembrar que a liberdade econômica é uma peça mestre, mas não é a única, da doutrina liberal.
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/08/2019