A consequência mais visível da crise brasileira no setor de seguros é a redução da velocidade de seu crescimento como um todo e da carteira de seguros de veículos em particular. Com a queda da venda de veículos zero quilômetro houve naturalmente a redução da velocidade de crescimento do seguro de veículos. Nem poderia ser diferente na medida que o fenômeno significa a entrada de menos bens no mercado de consumo.
Ainda que havendo uma mudança na forma do brasileiro “ter carro”, na qual a troca do carro passou a ser mais lenta, especialmente porque os veículos mais modernos têm garantias mais longas, o que levou a uma revisão do conceito de “carro velho”, baseada na flexibilidade do conceito de “seminovo”, a queda das vendas das montadoras impactou negativamente o setor de seguros.
O brasileiro fazer seguro de seu seminovo por mais tempo amenizou, mas não foi suficiente para manter os patamares de crescimento que o seguro de veículos vinha tendo até o começo da crise. Mas se a crise reduziu o ritmo do aumento do faturamento das seguradoras, ela teve ainda outro fator negativo: a piora dos riscos aceitos e, consequentemente, a alta da sinistralidade.
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Em época de crescimento econômico as pessoas e as empresas se esmeram em tomar as providências necessárias para ter seus bens e capacidades de ação azeitados, com manutenção em dia, revisões periódicas realizadas nas datas certas, substituição de peças meia boca, etc.
A situação folgada permite que estas ações sejam desencadeadas como atos de rotina, sem nenhum tipo de constrangimento capaz de alterar o funcionamento mais adequado, seja de um modesto carro popular, seja de uma planta industrial de bilhões de dólares.
Mas nas crises esta realidade muda completamente. Em primeiro lugar, as pessoas e empresas passam a rever os seguros contratados, reduzem as garantias e aumentam as franquias, chamando para si uma série de situações de risco que elas decidem assumir, ainda que comprometendo a capacidade de novos investimentos ou poupança.
É assim no mundo todo. Este cenário não é brasileiro. O que acontece aqui acontece em todos os outros países, inclusive nas nações mais desenvolvidas. A severidade das crises é responsável pela contenção dos gastos em grau mais ou menos acentuado. A queda nos ganhos, a falta de recursos próprios, as dificuldades em se conseguir crédito, a impossibilidade da manutenção das margens são razões mais do que suficientes para levar ao corte de tudo que não for essencial para girar o dia a dia, ainda que signifique correr riscos, inclusive de paralisação ou perda de capacidade, insubstituível no curto prazo.
Uma das consequências mais dramáticas do quadro é a diminuição dos processos de manutenção. As revisões ficam mais espaçadas, as vistorias são feitas com menos rigor, a substituição das peças é feita só depois do surgimento do problema, a qualidade do material empregado dá lugar ao preço, etc.
O resultado é que a possibilidade da ocorrência de sinistros cresce, como acaba de ser demonstrado por uma pesquisa que aponta o aumento dos casos de curto-circuito como consequência da redução da manutenção das redes elétricas.
Fios velhos, desencapados, próximos um dos outros, com isoladores quebrados, material estranho jogado em cima, passando próximos de material combustível têm como resultado o aumento dos curtos-circuitos e os incêndios causados por eles.
Como a falta de manutenção é geral, os equipamentos de combate a incêndio também ficam comprometidos, com extintores vencidos, hidrantes sem água ou com as mangueiras avariadas e brigadas internas sem treinamento, agravando muito os prejuízos resultantes do incêndio.
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O triste é que não há mágica. Não há o que fazer para modificar o quadro. Entre tocar o negócio do jeito que dá e investir em prevenção os gestores não têm alternativa: “é bola pra frente e se Deus for brasileiro não vai acontecer nada com a gente.”
Só que as vezes acontece. Aí a situação que já estava ruim fica pior ainda.
Fonte: “Estadão”, 03/06/2019