Meu colega Nelson Barbosa apresentou neste espaço, na sexta (29), sua leitura da crise que levou à recessão de 2014-2016 e à lenta retomada posterior.
Para Nelson, metade da crise foi externa (queda dos preços das commodities) e a outra metade foi interna.
A parte interna é dividida em três. Erros de condução de política econômica entre 2012 e 2014; política contracionista excessiva em 2015; e os impactos da Operação Lava Jato sobre a construção civil.
Fazendo uma contabilidade simplista, os erros de política econômica do petismo “puro-sangue” seriam responsáveis por 1/3 de 1/2, ou seja, por 1/6 da crise.
Há exageros tanto na atribuição de parcela significativa da depressão à queda dos preços das commodities quanto na alegação de que a Operação Lava Jato responde pela integralidade da queda da construção civil.
Uma discordância que tenho com Nelson é localizar somente entre 2012 e 2014 os erros de condução de política econômica. Penso que todo o intervencionismo que começou em 2006/2007 cobrou seu preço alguns anos à frente.
O intervencionismo –em razão de ter estimulado um número enorme de projetos mal desenhados e mal executados– levou ao endividamento de diversos setores, sem gerar caixa. Os investimentos maturaram mal.
A evidência desse fato é claríssima. Os dados de taxa de retorno das empresas abertas e das principais empresas fechadas mostram queda acentuada a partir de 2009.
De maneira geral, a atribuição excessiva da crise à Lava Jato desconhece que o esgotamento fiscal do Estado brasileiro –Tesouro, caixa das estatais e bancos públicos– resulta de medidas e decisões tomadas bem antes de 2012.
A superestimação do peso da queda dos preços de commodities na crise atual me faz lembrar da defesa que os militares faziam da política econômica desenvolvimentista de Geisel: a “culpa” da crise dos anos 1980 era do governo americano, que resolveu subir os juros, e dos árabes, que elevaram o preço do petróleo.
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Nós, da esquerda, respondíamos que ter tomado decisões –como contratar empréstimos a juros flutuantes e descuidar de fontes alternativas de energia– que expuseram a economia a esses riscos era responsabilidade do governo.
É irônico ver o petismo empregar hoje argumentos semelhantes aos dos militares para justificar a sua década perdida.
Certamente a crise seria muito menor: se não tivéssemos alterado o marco regulatório do petróleo; se não tivéssemos iniciado um ambicioso programa de substituição de importação no setor; se não tivéssemos endividado excessivamente a Petrobras; se não tivéssemos atrasado em cinco anos os leilões de petróleo; etc.
Finalmente, discordo da crítica à política de Joaquim Levy. Achar que o reajuste dos preços represados e o tímido ajuste fiscal de 2015 respondem pela crise é inverter causa e efeito.
A inflação estava muito elevada. Adicionalmente, havia hiperemprego, isto é, a taxa de desemprego estava abaixo da natural. Não fazer o dolorido ajuste de Levy seria aceitar a aceleração permanente da inflação.
Não havia alternativa: ou o ajuste de Levy ou a inflação. E esta, uma vez inercializada, custa muito mais a ser debelada. Dilma, em seu primeiro ano no segundo mandato, não foi Macri. Acertou. Sempre reconheci esse fato.
Fernández, na Argentina, enfrentará este dilema: ajuste ou aceleração da inflação. Penso que a Argentina escolherá a permanente aceleração inflacionária. O fim desse processo –pode demorar– é a hiperinflação, como ocorre na Venezuela.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 1º/12/2019