Em encontro com os novos governadores na semana passada, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, prometeu dividir com estados e municípios parte da arrecadação que será obtida com o leilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal, cujo valor total estimado é de cerca de R$ 100 bilhões. Em troca, os governadores dariam apoio para a aprovação da reforma da previdência.
A expressão de felicidade dos governadores eleitos em foto publicada nos jornais indica que a proposta agradou bastante. Isso não chega a surpreender, já que não foram exigidas medidas de ajuste fiscal por parte dos governos estaduais. Mas seria um grande erro compartilhar recursos do pré-sal com os governadores sem que eles se comprometessem com um forte ajuste das contas públicas.
Um relatório do Tesouro Nacional divulgado esta semana não deixa dúvidas sobre a gravidade das finanças estaduais e sua contínua deterioração ao longo do tempo. Em 2017, o déficit primário dos estados foi de R$ 13,9 bilhões, muito acima do déficit de R$ 2,8 bilhões verificado no ano anterior.
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De acordo com o documento, 14 estados encontram-se acima do limite previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no tocante à relação entre despesas de pessoal e receita corrente líquida.
Enquanto o limite previsto pela LRF é de 60%, Minas Gerais compromete 79,18% da sua receita com salários e aposentadorias de servidores. Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul também se encontram bem acima do limite, com percentuais de 70,8% e 69,14%, respectivamente.
Essa situação reflete em grande medida o forte crescimento da despesa com servidores inativos. Em 2017, o déficit previdenciário dos estados foi de R$ 93,9 bilhões, o que representou uma elevação de 14% em relação ao ano anterior.
As aposentadorias especiais de professores e policiais militares, que se aposentam mais cedo, têm um peso particularmente significativo na despesa de pessoal. Em Minas Gerais e Rio Grande do Sul, essas duas categorias correspondem a mais de 80% dos inativos.
Embora as despesas previdenciárias representem a maior parcela dos gastos com pessoal, as despesas com servidores ativos também têm crescido a taxas elevadas, não somente devido a concessões de aumentos salariais, mas também como resultado de promoções automáticas.
Em vez de enfrentar o problema do aumento estrutural das despesas com pessoal, os governadores têm recorrido a sucessivos programas de renegociação da dívida. Em 2016, foi aprovada a Lei Complementar 156, que alongou o pagamento da dívida dos estados por 20 anos e concedeu um período de dois anos de redução das prestações mensais, em troca da limitação do crescimento das despesas primárias correntes à variação do IPCA. No entanto, diversos estados não cumprirão o teto de gastos e já indicaram a intenção de renegociar o acordo.
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Ano passado foi aprovado o Regime de Recuperação Fiscal dos Estados (Lei Complementar 159), que permitiu a suspensão do pagamento da dívida por até 3 anos em troca de medidas de ajuste fiscal, incluindo privatizações e redução de benefícios tributários. Até o momento, somente o Rio de Janeiro aderiu a esse regime, mas o governador eleito já sinalizou que não pretende privatizar a Cedae. Além disso, durante a campanha eleitoral manifestou desejo de estender o prazo de pagamento da dívida para 100 anos.
Como os dados divulgados pelo Tesouro deixam claro, não existe alternativa para a solução da crise fiscal dos estados que não envolva uma profunda reforma previdenciária e uma reestruturação da carreira do funcionalismo, com o fim de progressões automáticas e a introdução de mecanismos de avaliação e promoção por mérito.
Também é preciso fortalecer mecanismos institucionais de controle de gastos, como a LRF. Vários estados excluem de suas contas componentes relevantes da despesa com pessoal, como gratificações e imposto de renda, reduzindo artificialmente o indicador de comprometimento da receita. Esses artifícios contábeis foram evidenciados pelo relatório do Tesouro, que utiliza uma metodologia comum para calcular o indicador para todos os estados.
Por exemplo, enquanto Minas Gerais declarou despesa de pessoal equivalente a 60,81% da receita corrente líquida, os cálculos do Tesouro indicaram uma relação de 79,18%. Já o Rio Grande do Norte informou uma despesa de pessoal correspondente a 52,49% da receita, o que colocaria o estado abaixo do limite da LRF. No entanto, o Tesouro recalculou essa razão para 72,07%, bem acima do limite.
Os governadores podem ter ficado felizes com o aceno de compartilhamento das receitas do pré-sal, mas o governo federal não deveria. Corre o risco de ser chamado mais uma vez para pagar a conta, quando já não tem mais recursos para cobrir seu próprio rombo.
Fonte: “Blog do IBRE”, 21/11/2018