Na semana anterior falamos sobre a economia global e mostramos preocupação com a perda de dinamismo das economias emergentes, em sua maioria envolvidas pelo excesso de endividamento. Ao fim daquela semana, explodiu uma crise cambial na Turquia, que segue na ordem do dia. Tentemos, então, fazer uma análise sobre este acontecimento, enxergando a situação específica da Turquia e o grau de contágio sobre outros mercados correlatos.
O que aconteceu? Parece-nos claro que a crise turca já vem se arrastando há algum tempo, mas desta vez o acirramento de ânimo de dois presidentes autocratas acabou contribuindo para o “estouro da boiada”. De um lado, o presidente norte-americano Donald Trump, do outro, o turco, Recep Tayyip Erdogan. Trump, numa penada, resolveu taxar o aço e o alumínio dos turcos em 50% e 30%, o que fez a lira turca oscilar forte. Em duas semanas perdeu mais de 25%, no ano próxima a 50%. Como pano de fundo, o aumento da pressão dos EUA para que a Turquia solte o pastor norte-americano Andrew Brunson, preso em Ancara e acusado de ter conspirado por um golpe contra Erdogan em 2016. Em resposta, o presidente turco acusou “inimigos externos” por estarem conspirando contra a moeda – lira turca – e “proibiu”, no passado independente, o Banco Central de elevar a taxa de juros. O máximo foi permitir que ele liberasse compulsório para irrigar de liquidez o sistema bancário doméstico. Em resposta, Erdogan tratou de sobretaxar produtos norte-americanos, num impacto calculado de US$ 533 milhões.
Leia mais de Julio Hegedus Netto:
Cenário global: 2018 e 2019
Cenário político-eleitoral
Os candidatos e suas agendas
Não sabemos quais devem ser os próximos desdobramentos da crise. Muito se comentava sobre a inevitabilidade da Turquia recorrer ao FMI, mas como se quem tem a última palavra é os EUA? Permanecemos em suspense. Devemos considerar, porém, que a importância da economia turca no tabuleiro mundial é baixa (cerca de 1%), mas é importante ressaltar dois pontos. O primeiro é que a economia turca é altamente devedora dos bancos europeus. Calcula-se o grau de exposição destes acima de US$ 148 bilhões, com destaque para o BBVA, de origem espanhola. Soma-se a isso a importância geopolítica da região, já que a Turquia controla o fluxo entre o Mar Negro e o Mediterrâneo, através dos estreitos de Bósforo e Dardanelo. Além disso, há uma grande base da OTAN no país. Nos últimos dias, Erdogan, em desafio, vem tentando se aproximar da China e da Rússia.
Situação da Turquia. Depois de alguns anos de governo populista e irresponsável, a economia turca convive com fragilidades crescentes na área fiscal, nas contas externas e na inflação. Esta se aproxima dos 16% e ameaça superar este patamar, com a crescente depreciação da Lira Turca. Tudo isso promovido por políticas de estímulo à demanda, que colocaram o país numa rota de bom crescimento, mas insustentável no longo prazo, dada a piora dos “déficits gêmeos”, fiscal e externo. O déficit em conta corrente deles já passa de 5,4% do PIB.
Isso significa que o endividamento da economia turca é o seu “calcanhar de Aquiles”, ainda mais quando se observa um movimento de ajuste de liquidez (ou normalização), como nos EUA e, mais lentamente, na Europa. De alguma forma, quanto mais frágil nos seus fundamentos, maior tende a ser a depreciação da moeda, gerando inflação, o que tende a pressionar por uma pronta resposta do BACEN local, elevando o juro, o que ainda não é o caso pelos lados de Istambul.
Efeitos sobre os emergentes. Achamos que o impacto tende a ser diferenciado, pela situação destes países, analisando seus fundamentos, ser distinta, caso por caso. A Argentina, pelo excessivo gradualismo fiscal do presidente Macri, nos parece mais frágil, mas o aporte do FMI de US$ 50 bilhões lhe deu uma sobrevida. Importante considerar, no entanto, enxergando outros emergentes, que os mercados asiáticos, como a Indonésia, embora com fundamentos melhores, tendem a sofrer nos próximos meses, não pelo episódio Turquia, mas pelo menor crescimento da China, neste ano ameaçando ser menor que 6%, dada a “guerra comercial” com os EUA.
Importante observar que o que une os emergentes como um todo é o excessivo endividamento privado, com diferentes gradações. O Brasil, por exemplo, possui fragilidades, como a péssima situação das contas públicas, mas o déficit em conta corrente é bem confortável, em torno de 0,7% do PIB até junho em 12 meses, além do elevado nível de reservas cambiais, acima de US$ 380 bilhões.
E o Brasil? Neste contexto, achamos que nos assustam muito mais as incertezas eleitorais e a dificuldade de enxergar qual candidato deve tocar a inadiável agenda de reformas no ano que vem. O candidato “eleito” pelo mercado parece não ter força para sair do lugar e a ameaça PT segue pairando no horizonte. Em pesquisa da XP, Fernando Haddad, sob a chancela do ex-presidente Lula, mostrou maior potencial de crescimento, numa simulação chegando junto com Jair Bolsonaro no segundo turno. Pesquisa da Arko Advice, do cientista político Murillo Aragão, aliás, já considera a hipótese de Haddad no segundo turno, com a disputa pela outra vaga entre Bolsonaro e Geraldo Alckmin.
Enfim…
Achamos que, embora preocupante, a crise turca e seus contágios, por enquanto, tende a se limitar ao curto prazo.
Sobre isso, uma pesquisa do Oxford Economics, analisando os principais países emergentes, Argentina, Ucrânia, África do Sul, México, Brasil, Rússia e Turquia, acabou por elaborar um indicador de vulnerabilidade cambial.
Neste, foram colocadas algumas categoriais essenciais, importantes nesta composição, como diferencial de juro com os EUA, inflação, saldo em conta corrente, resultado fiscal, nível de reservas. Avaliando todas as variáveis destes países em graus de zero a dez, chegou-se a seguinte conclusão.
Os países mais expostos (ou moedas mais fragilizadas) são Argentina, com o peso argentino e vulnerabilidade de 8,5 pontos, seguido pela lira turca, com 8,0 pontos, a moeda da Ucrânia (grívnia) com 7,0, o rand sulafricano com 4,7, o peso mexicano 4,0 e o Brasil com o real a 3,9. Sendo assim, o Brasil, neste momento, estaria menos exposto às crises dos emergentes, sendo seus problemas mais internos, no caso, uma eleição indefinida. Segundo o estudo, “temos menos capital externo gerando perdas, comparando a outros emergentes”. Menos mal.