Sabe aquele político que você detesta, porque é incompetente ou corrupto? Então: o filho dele, ou um de seus assessores principais, provavelmente será eleito esse ano. A culpa é da legislação eleitoral. Ela foi criada, dizem os especialistas, para impedir o abuso de poder (principalmente o econômico). Na prática seu efeito será o contrário: ela vai barrar a entrada de novos nomes e favorecer quem tem acesso ao poder.
Quem ainda não emigrou para Miami ou para Lisboa enxerga nas próximas eleições a última cartada do Brasil. Não reeleja ninguém, dizem. Vamos renovar a política. Alguns profetizam que mais de 50% do próximo Congresso Nacional será composto por nomes novos.
Lamento dizer, mas não vai rolar.
Sou pré-candidato ao Congresso nas próximas eleições, sou um marinheiro novato em minha primeira viagem eleitoral. Há muitos iguais a mim espalhados pelo Brasil: cidadãos comuns, com famílias, empregos e contas para pagar que, por razões variadas resolveram, finalmente, dedicar uma parte do seu tempo e da sua energia na construção de um país diferente – possivelmente, melhor – para nossos filhos.
O desafio que um novato enfrenta é assustador.
O jogo eleitoral é dominado pelo poder e pelo dinheiro. A maior parte dos votos pertence a “máquinas”. O que é uma máquina eleitoral? São pessoas que detêm o controle de uma organização, quase sempre uma área do governo – uma secretaria de obras, uma prefeitura ou uma empresa estatal – e que usam essa organização para movimentar centenas de pessoas em torno da eleição de um cacique político.
Outra opção é usar os serviços dos milhares de cabos eleitorais espalhados pelo Brasil. Um cabo eleitoral é alguém que, por virtude da sua personalidade, do seu emprego (muitas vezes público) ou do cargo que ocupa, tem influência sobre os membros de alguma comunidade ou grupo de interesse. Um cabo eleitoral pode ser o presidente de uma associação de moradores de uma comunidade carente, pode ser um líder sindical ou um chefe de uma área no serviço público. Tipicamente, ele já está nessa atividade há anos, e faz dela seu principal meio de vida.
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É assim que se elege a maioria dos políticos no Brasil.
Imaginem o que é lutar contra esse exército de pessoas, que passam a maior parte do seu tempo divulgando o nome e as grandes realizações do seu padrinho político. Essas pessoas controlam a distribuição de favores em regiões administrativas, em unidades de saúde e em secretarias de cultura e assistência social por todo país.
Cada serviço prestado, cada galho quebrado e cada favor realizado vale algumas dezenas de votos.
Candidatos sem conteúdo algum, alguns semialfabetizados, cujo único mérito foi ter nascido na família certa ou ter cultivado um padrinho poderoso, utilizam os recursos do Estado – pagos com nossos impostos – para se eleger. Contra eles a legislação eleitoral – cheia de regras complicadas – pouco consegue fazer.
Enquanto isso, aos candidatos novatos resta lidar com o desinteresse geral da população quando o assunto é política, e com todas as dificuldades de conseguir recursos e formas de divulgar a sua mensagem. A legislação é dura: empresas não podem doar, as doações de pessoas físicas estão sujeitas a vários limites, e é necessário contratar advogado e contador, tamanha a complexidade e o detalhe das regras a serem cumpridas.
Até o uso das redes sociais, última esperança do novato, é de tal forma regulado que torna todo candidato um refém do acaso.
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O prazo curtíssimo de campanha – 45 dias – é feito sob medida para favorecer os candidatos com acesso à máquina e, efetivamente, neutralizar os candidatos novatos.
É um escândalo que uma legislação que foi produzida com a desculpa de nivelar o jogo eleitoral crie uma desvantagem tão grande para os novos candidatos.
Ou mudamos isso, através de uma reforma político-eleitoral séria – aumentando a liberdade, simplificando as regras e, quem sabe, abolindo o voto obrigatório e implantando o voto distrital – ou o Estado brasileiro ficará eternamente nas mãos dos mesmos sobrenomes, e não veremos mudança alguma – nem nas manchetes dos jornais.