Os eleitores têm certo “fetiche” com a figura do presidente da República. Não consideram a qualidade do time de ministros e assessores, como se o presidente pudesse tudo. Na melhor das hipóteses, avaliam o titular do Ministério da Fazenda/Economia. Nessa linha, provavelmente Paulo Guedes conquistou votos para Jair Bolsonaro.
Não se dá a devida importância ao ministro-chefe da Casa Civil. Não deveria ser assim. Ele é quase um primeiro-ministro e tem papel fundamental para garantir o bom funcionamento do governo e conduzir reformas estruturais. Sua função é de coordenação, execução e supervisão das ações governamentais, avaliando as condições políticas para o avanço das políticas públicas. Um olho na máquina pública e outro no Congresso. De quebra, como cabe à Casa Civil garantir a legalidade das ações do governo, é necessário o diálogo com o Judiciário.
A escolha do titular da Casa Civil, em alguma medida, revela o ímpeto reformista do presidente, enquanto a competência técnica e política do ministro-chefe, bem como o alinhamento com o ministro da Fazenda/Economia, pode ser um fator decisivo para o sucesso do governo.
Quando tudo dá errado, é um dos primeiros a ser sacrificado, além do ministro da Fazenda/Economia. José Sarney, por exemplo, teve quatro chefes da Casa Civil (e também quatro ministros da Fazenda/Economia) em 5 anos. Já FHC, apenas um para cada mandato.
O Brasil teve ministros que se destacaram. Um exemplo foi Pedro Parente, no segundo mandato de FHC. Um governo reformista, que, de quebra, enfrentou o racionamento de energia de 2001. Parente foi o competente gestor da crise de energia.
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Outro nome que merece destaque é o de Eliseu Padilha, no governo Temer. O resultado foi visível: em tão pouco tempo, tantas reformas foram implementadas e tantas outras foram elaboradas ou encaminhadas ao Congresso.
Sabemos ainda pouco sobre a capacidade técnica e política de Onyx Lorenzoni. Como parlamentar, ele foi contra a reforma da Previdência em 2017, mas não negou a necessidade de alguma reforma ser aprovada. Além disso, ele votou a favor das principais reformas de cunho liberal de Temer, como a reforma trabalhista, a criação da regra do teto e a mudança de regra de exploração do pré-sal. Ele também contribuiu para impedir a obstrução na votação da criação da TLP. Bom sinal.
A lista de 35 ações para os primeiros cem dias de governo, no entanto, deixou a desejar. O documento é vago e não provê qualquer detalhe do seu conteúdo.
A lista tem omissões, como a reforma da Previdência, o que não traz maiores preocupações, pois é sabido que esta é uma prioridade do governo.
Há outras omissões importantes, como o cadastro positivo, cuja aprovação depende apenas da votação dos destaques na Câmara. Tomara que este não seja um sinal de desinteresse do governo em uma medida tão cara ao mercado de crédito. Também não há menção à criação dos depósitos voluntários do Banco Central para administrar a liquidez da economia sem implicar o aumento da dívida pública.
Outras medidas estruturantes já em discussão ou mesmo em tramitação no Congresso não foram incluídas, como a nova lei de licitações, a nova lei de finanças públicas, a desestatização da Eletrobrás, os marcos regulatórios do setor de energia, saneamento e telecomunicações, e o reforço das agências reguladoras.
Seria importante não desperdiçar esforços do governo anterior e dar continuidade a essas reformas, ainda que com ajustes. O problema não está na não inclusão na lista, até porque são reformas que, provavelmente, não seriam aprovadas nos cem primeiros dias. O problema é não haver sinais de que estes temas têm sido debatidos e estão no radar da Casa Civil.
Está cedo para tirar grandes conclusões sobre a agenda de reformas e suas chances de aprovação, especialmente considerando a pouca experiência do governo. Porém, convém a Casa Civil rapidamente iniciar a organização da orquestra ainda desafinada.
Fonte: “Estadão”, 31/01/2019