No Brasil, o Poder Executivo domina o Legislativo no processo orçamentário. Mas isso também acontece no Reino Unido ou França. O papel preponderante do Executivo reflete o padrão geral das relações Executivo–Legislativo.
Na América Latina, o Brasil ostenta o escore mais elevado (0.91) no índice de “poder orçamentário” do Poder Executivo do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O Chile (0.73) é o país que chega mais perto do Brasil, mas Argentina (0.45), Colômbia e Uruguai (0.64) e México (0.36) têm escores bem mais baixos.
O índice é calculado com base em fatores que garantem preponderância ao Executivo, como iniciativa exclusiva de matéria orçamentária, veto parcial, limites ao emendamento, discricionariedade na execução orçamentária, dentre outros.
Esse arranjo institucional foi escolhido pelos constituintes em 1988. Representa delegação mais que usurpação de poder: é forma eficiente de resolver problemas de ação coletiva conhecidos na literatura como a “tragédia dos comuns fiscal”.
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Os parlamentares têm incentivos para elevar o gasto concentrando-o nos distritos em que são eleitos, mas não arcam com os custos políticos de desequilíbrios orçamentários (ou de suas formas de resolução: inflação, recessão, crise cambial), os quais os eleitores atribuem ao presidente, o único ator que os internaliza (partidos políticos robustos também o fariam). Essa assimetria de incentivos produz a tragédia fiscal.
Essa delegação adquire caráter extremo nos países que adotam o modelo de Westminster (parlamentarismo e regra eleitoral majoritária). Neles as emendas ao Orçamento são proibidas. Austrália, França, Reino Unido, Irlanda e Chile têm escores extremamente baixos (cerca de 20, em uma escala de 1 a 100) no índice de poder orçamentário do Legislativo (uma espécie de inverso do índice anterior), elaborado pelo cientista político Joachim Wehner (LSE).
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O Brasil não consta do índice, mas estaria próximo do cluster desses países. O caso polar que contrasta radicalmente é o dos Estados Unidos (escore 88, quatro vezes o do grupo): o Congresso pode alterar tudo, inclusive o valor total do Orçamento, que é impositivo. Suécia e Holanda estão também nesse grupo de países onde o poder orçamentário do Executivo é fraco.
Não há assim uma régua única para aferir quão democrático é o Orçamento porque outros fatores entram em jogo, conformando “equilíbrios institucionais globais”, decorrentes de outras características do sistema político. No nosso caso, o arranjo consolidado em meados dos 90 produziu equilíbrio fiscal por mais de uma década. Alteração do equilíbrio local sem mudança global pode ser o pior dos mundos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 08/04/2019