Foto: Roque de Sá/Agência Senado
O equilíbrio político contemporâneo é absolutamente instável. Os impulsos sociais latentes – enraizados em um profundo e angustiante senso de descontentamento coletivo – são capazes de transformar faíscas em chamas num simples relance de olhar. Vivemos um tempo nervoso que exige cautela, cálculo e ponderação, pois um mínimo movimento impensado pode ser o gatilho da irracionalidade radical.
Aliás, o recente surto de violência no Chile soa como alerta categórico: uma sociedade com os melhores índices econômicos e sociais da América Latina, supostamente detentora de estabilidade interna razoável, viu a tranquilidade das ruas virar o palco de protestos incandescentes. O fato, além de expor a aguda fragilidade dos arranjos institucionais vigentes, demonstra que a tradicional retórica política pode pouco diante de uma cidadania ativa e que aprendeu a falar o que pensa.
Ora, salvo raras exceções, as democracias contemporâneas são caracterizadas por governos que não governam, anêmicos parlamentos ineficientes e um sistema judicial atolado na lentidão invencível. A realidade está desnuda aos olhos de todos; a flagrante desconexão da política com a lógica da vida impede a viabilidade do diálogo democrático como via eficaz da pacificação social. Não à toa, os extremos se exaltam, a razão cede e as instituições decaem. Logo, ou a política muda ou será mudada pelas circunstâncias.
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Objetivamente, as respostas antigas não resolvem os problemas atuais. O uso tradicional do tempo como anestésico coletivo também perdeu eficácia. O presente exige responsividade imediata e especial capacidade de persuasão emocional. Sim, a tecnologia da informação desmontou as instâncias de massificação coordenada da sociedade, criando, paralelamente, um poderoso sistema de impulsos segmentados de alta penetração psicológica. Ou seja, as técnicas de manipulação do pensamento evoluíram em sua forma, incidência e potencial indutor.
Por assim ser, não basta mais colocar as famílias em frente à TV, criar um enredo único hegemônico e multiplicar a mensagem oficial pelos canais de comunicação financiados direta ou indiretamente por dinheiro público. Com a telefonia móvel e a popularização dos smartphones, houve definitiva ruptura nas técnicas de percepção pública do funcionamento do poder. A falência das instâncias políticas de aglutinação social faz o sistema desmoronar entre o renascer das formas aleatórias de direta participação cívica nos rumos da democracia.
No macrojogo estrutural do poder, a embrionária engrenagem do poder exige novos players, novas regras e novos instrumentos para mediar a vida social. Os partidos políticos, por exemplo, que ganham fortunas para nada fazer, são entidades condenadas ao ostracismo histórico. Por sua vez, os políticos, herdeiros dessa decadente partidarismo oco, não passam de moribundos à espera do suspiro final. Em síntese: tal como ocorrerá nos negócios empresariais, a política também será verticalmente transformada pelo impacto de uma inovadora tecnologia democrática que libertará energias e recursos para o surgir de um sistema de poder mais decente, simples e responsivo aos cidadãos.
As tensões contemporâneas representam justamente a zona de transição entre o que se foi e aquilo que será. No corrente renascimento do civismo democrático, faz-se imperativo que líderes públicos conscientes assumam o dever da responsabilidade política, guiando a sociedade, por meio de diálogo inclusivo e da ação agregadora, a patamares civilizatórios superiores e com melhores perspectivas a uma cidadania cansada de ser enganada.
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Esquematicamente, o modelo definitivo de governabilidade futura não será feito com polarizações extremas nem com o desrespeito ao pluralismo existencial. É claro que táticas beligerantes podem levar a vitórias eleitorais, mas bons governos pressupõem estabilidade institucional, paz social, harmonia de interesses e empreendedorismo criativo. E, naturalmente, apenas homens virtuosos, com sólida visão de mundo, são capazes de levar a humanidade a tempos mais altos.
O poder, embora cheio de charme e fascínios insinuantes, não dura para sempre; é por natureza dinâmico, transitório e fugidio. No rápido jogo da vida, muitos o querem, mas apenas poucos o têm. Uma vez obtido, a eternidade da História abre as possibilidades da consagração perpétua ou do esquecimento absoluto. Que os novos líderes se apresentem à cidadania democrática, pois o povo tem direito a memórias que façam viver.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 26/02/2020