Foto: Reprodução/WEB
Não creio que os diálogos entre o jornalista americano Glenn Greenwald e Luiz Henrique Molição, um dos hackeadores das mensagens dos procuradores de Curitiba e de diversas autoridades, revelem indiscutivelmente a ação direta do jornalista no crime, a ponto de provocar uma denúncia. Mas isso não quer dizer que a liberdade de imprensa esteja em perigo no país, nem que haja uma “vingança” do governo contra ele devido à divulgação de tais conversas.
O Ministério Público Federal é um órgão autônomo, não pertence a governos, como fazem crer comentários no exterior e da oposição. Um bom exemplo é a atitude da Polícia Federal, subordinada formalmente ao Ministério da Justiça, mas com autonomia de atuação garantida pela Constituição, que não precisa de autorização para investigar.
Pois a Policia Federal, com base nos mesmos áudios, considerou que não havia indícios de que o jornalista Glen Greenwald tivesse participação moral ou material no caso. Se fosse o caso de “vingança”, não seria mais óbvio que a Polícia Federal acusasse o jornalista, que provocou uma crise política nacional com as revelações do relacionamento considerado por muitos abusivo do então juiz Sergio Moro com os procuradores de Curitiba?
Não houve nenhuma especulação a esse respeito quando o resultado da investigação da Polícia Federal foi divulgado. Pelo raciocínio da “vingança governamental”, o ministro Sérgio Moro deveria ser elogiado. Mas nada disso é real.
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Não houve atuação do governo, já que o Ministério Público também tão autônomo que está investigando o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente. Acredito que tenha havido um procedimento temerário do procurador de Brasília, pois o Ministério Público do Distrito Federal deveria ter pedido autorização para investigar Glenn Greenwald, já que uma decisão do ministro Gilmar Mendes o blindava para proteger a liberdade de imprensa.
A decisão do ministro do Supremo é correta, porque do contrário todos os jornalistas que divulgassem documentos secretos ou revelassem mensagens entre autoridades poderiam ser investigados. Mas, se o Ministério Público do Distrito Federal descobriu, no decorrer das investigações, indícios que levavam ao jornalista, esse fato deveria ser comunicado ao Supremo.
Não esqueçamos que esse mesmo Molição que aparece pedindo conselhos a Glenn Greenwald nos áudios é o mesmo que fez uma delação premiada aceita pela Justiça. Por isso foi solto. Se ele deu alguma informação que ligue o jornalista americano ao crime de intercepção ilegal, esse fato precisaria ser investigado.
A atitude do Ministério Público do DF foi temerária porque denunciou Glenn Greenwald sem sequer investigá-lo oficialmente, embora seja um procedimento aceitável legalmente. A orientação de Greenwald para que os hackeadores apagassem as mensagens foi interpretada pela Polícia Federal como favorável a Greenwald, enquanto o Ministério Público viu nela a indicação de que o jornalista estava envolvido na ação criminosa e queria apagar as evidências.
São indícios muito frágeis para denunciar uma pessoa, ainda mais em tema tão delicado quanto a liberdade de imprensa. Mas se houver delação fazendo essa relação, será preciso investigar.
Audiências Públicas
A figura nova do juiz de garantias no processo penal brasileiro provavelmente não vai sair do papel, pelo menos tão cedo. O ministro Luis Fux, que é o relator do caso no Supremo, será também seu presidente a partir de setembro.
Ele já declarou inconstitucional o decreto que criou o juiz de garantias, e pretende promover várias audiências publicas para debater o tema antes de preparar seu voto para discutir o assunto no plenário.
Ele, como relator, decide quando seu voto estará pronto. Como presidente do STF, decide se e quando ele entrará na pauta.
Fonte: “O Globo”, 23/1/2020