Desde criança me acostumei a ver sobre a mesa de professores, funcionários, juízes, advogados, uma plaquinha de madeira com “Honra ao Mérito” escrito em letras douradas, prateadas ou pintadas à mão. Bem na frente da mesa, era como uma legenda sobre quem estava atrás, um ícone de cafonice, equivalente ao pinguim de geladeira e ao quadro da Santa Ceia na sala.
Cafona, sim, mas 50 anos depois, verdadeiro e urgente. Honrar o mérito é do que mais precisamos, para enfrentar o empreguismo, o aparelhamento partidário, as indicações políticas e todas as formas de favorecimento que degradaram a administração pública, as estatais e quebraram seus fundos de pensão. Esquerda, direita e centro não podem negar: sem meritocracia, não há democracia plena.
Mas como falar de uma competição equilibrada, por méritos, entre pessoas que tiveram oportunidade, dinheiro, tempo para estudar em boas escolas, e os pobres, pretos e malformados pela maioria das péssimas escolas públicas brasileiras? Assim, as Ferraris sempre chegarão antes das bicicletas e dos jegues, embora alguns deles se transformem em Ferraris. Só a educação equilibra a competição.
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Enquanto isso, nada justifica que nas administrações públicas brasileiras e nas estatais os méritos do preparo profissional e desempenho sejam atropelados pelo apadrinhamento e as indicações políticas. Não foram poucos os funcionários concursados e eficientes que aderiram a um partido político como forma de crescer na carreira.
A cultura da boquinha, da sinecura, da troca de favores, é de esquerda, direita ou centro? Seria parte integrante do DNA do brasileiro, professor DaMatta? Ou algo que se exacerbou e transbordou nos últimos anos?
Os milhões de funcionários honestos, competentes e trabalhadores são os principais interessados na reinstituição da meritocracia no serviço público e, principalmente, nas 120 estatais que sofreram prejuízos colossais com essa cultura nefasta e corrosiva. Não tem que manter isso aí, não.
Nenhum candidato pode evitar esse debate. Como sanear o desperdício e o roubo do dinheiro público provocado pela desonra do mérito?
Fonte: “O Globo”, 23/02/2018