Algumas ideias equivocadas são repetidas com frequência, atrapalhando o necessário amadurecimento do País na discussão da agenda econômica.
Para muitos, a queda da inflação era inevitável devido à dura recessão. Além disso, o Banco Central seria supostamente sortudo por conta da safra agrícola recorde e do ambiente externo benigno que permitiu a queda da cotação do dólar. Já a recuperação da economia em curso ocorreria de qualquer forma, pois tudo que cai sobe.
Nada disso. Os riscos de descontrole inflacionário e de um “alçapão no fundo do poço”, como alertado por importante gestor de recursos, eram concretos ao fim do governo Dilma.
O problema dessa visão, além da injustiça com o time econômico e os operadores políticos, é que ela passa a ideia de que nenhum avanço houve. Tudo que se colheu até agora seria fruto de sorte e acaso. O corolário é a recomendação de uma mudança da agenda econômica. Esse é o perigo, pois a agenda de ajuste fiscal precisa ser aprofundada e aperfeiçoada, e não afastada.
As críticas à estratégia do governo de eleger o ajuste fiscal estrutural como pedra fundamental para tirar o país da crise se mostraram frágeis. Importante lembrar que o time econômico de Dilma tentou avançar nessa agenda, mas não conseguiu. Assim, perdemos o grau de investimento.
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O ajuste fiscal atual não é o ideal. Por depender de reformas estruturais, o ajuste é lento. E houve concessões a grupos de interesse, como no ajuste do funcionalismo, o que acabou por comprometer os investimentos públicos. Ainda assim, o saldo é positivo. Há amarras constitucionais que reduzem o risco de irresponsabilidade fiscal e que deverão estimular mais reformas. Além disso, há maior transparência na gestão da política fiscal, sem pedaladas e restos a pagar inflados.
Não há como negar a importância da deflação de alimentos e do recuo da cotação do dólar para a queda da inflação, cuja velocidade surpreendeu. Porém esses argumentos desconsideram a essência da desinflação ocorrida. A reorientação da política fiscal e a postura zelosa e crível do BC são o alicerce da desinflação, que começou pelo recuo das expectativas inflacionárias do mercado financeiro.
A redução das projeções de inflação dos analistas não é sinal de apoio a qualquer governante, mas sim fruto da forte concorrência que os estimula a atualizarem com frequência seus cenários. De preferência de forma a conquistar posição elevada no ranking do BC de melhores previsores de inflação.
Não tivesse ocorrido a reorientação da política econômica, a inflação não teria cedido de forma consistente, a Selic não estaria em queda e a retomada não estaria acontecendo. Mesmo com toda sorte do mundo.
A inflação de alimentos não caiu apenas por conta da safra agrícola e a cotação do dólar não recuou apenas por conta do cenário internacional. Ambos refletem em boa medida o acerto da política econômica.
Se a safra é recorde, mas a falta de perspectiva de ajuste das contas públicas gera pressão inflacionária, a inflação não cai de forma duradoura, nem mesmo a de alimentos. Da mesma forma, o recuo da cotação do dólar não teria ocorrido, pelo menos não na mesma intensidade. Em um quadro doméstico desastroso, o real teria se descolado das moedas de demais emergentes.
Conseguir se beneficiar da sorte é privilégio de poucos.
Em janeiro, defendi neste espaço que o efeito da arrumação da política econômica poderia surpreender e a taxa Selic atingir 7,5%. Poderá ser ainda menor. O fôlego de juros de um dígito, no entanto, dependerá do ajuste fiscal estrutural. A taxa de juros neutra, que mantém a inflação estável, depende fundamentalmente de fatores estruturais, como o potencial de crescimento do PIB, a demografia e as perspectivas de longo prazo da política fiscal. Este último é o X da questão.
A sociedade aos poucos compreende a importância do cuidado com as contas públicas. Agora começa a enxergar o benefício. Não podemos perder essa oportunidade.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 28/09/2017.
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