O fim dessa semana marca o aniversário de 10 anos da maior crise financeira desde a Grande Depressão. Em 15 de setembro de 2008, a empresa de serviços financeiros Lehman Brothers entrou com pedido de falência, marcando o início da turbulência que levaria à paralisação dos mercados de crédito em todo o mundo e às recessões sincronizadas em todas as principais economias maduras e algumas economias emergentes. Na ocasião, os países emergentes foram poupados do pior: não estavam expostos aos ativos tóxicos que propeliram a crise e estavam protegidos pela solidez macroeconômica que os anos anteriores de bonança os ajudara a conquistar.
Um ano antes da crise de 2008, o economista Sebastian Edwards escrevera interessante artigo sobre as crises e a América Latina em que antevia que “menos países estarão sujeitos às crises catastróficas que caracterizaram a região”. Arrematara afirmando que “o futuro da América Latina será de ausência de crises, embora com crescimento modesto”. Entre 2008 e 2018 – salvo algumas turbulências aqui e ali e a maior recessão da história brasileira – Edwards parecera ter acertado. Como a recessão brasileira não veio acompanhada, ou fora proveniente, de uma crise financeira, até esse dramático episódio pode ser excluído como contraponto à sua tese. Contudo, a lua de mel acabou. Desde abril desse ano estão os mercados emergentes sendo duramente atingidos por períodos de violenta turbulência. A mudança da política monetária nos EUA, a guerra comercial entre os Estados Unidos e boa parte do mundo, o dano colateral das incertezas, tudo isso tem trazido temores de que os países emergentes estejam entrando em fase parecida com o tumultuado fim dos anos 90.
Em relação à América Latina, a previsão de Edwards está se esgotando. A Argentina está em crise aguda desde maio, mesmo depois de conseguir pacote inédito de US$ 50 bilhões do FMI. A Venezuela enfrenta quadro hiperinflacionário jamais visto na região: é provável, segundo o FMI, que a inflação alcance um milhão por cento esse ano. Brasil e Argentina, os dois países que viveram intensamente e prolongadamente o drama hiperinflacionário, jamais tiveram elevações de preços dessa magnitude. O caso venezuelano, como escrevi em artigo para o Peterson Institute for International Economics no ano passado, mais se parece com o que ocorreu no Zimbábue também há dez anos, em 2008. Lá, no auge, os preços chegaram a dobrar a cada 24 horas, o que é tão inimaginável quanto um milhão por cento de inflação. Em algum momento, a Venezuela haverá de implodir, aumentando a gravíssima crise migratória na região e mergulhando no drama da moratória. A reconstrução venezuelana deverá demorar ao menos uma geração, tamanha a demolição institucional do país.
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Por fim, o Brasil. Não temos hiperinflação, tampouco a vulnerabilidade externa da Argentina. No entanto, temos um déficit nas contas públicas de 9% do PIB e uma dívida que não para de subir. De acordo com cálculos mais recentes – e utilizando a metodologia do FMI para o cálculo da dívida bruta brasileira – é possível que tenhamos quase 100% do PIB em dívidas até o fim de 2020. Países com dívidas dessa magnitude têm muitas dificuldades para crescer, não apenas por conta do risco de que ocorra grave crise fiscal a qualquer momento, inibindo consumo e investimento, como também porque o pagamento da dívida desvia recursos que não fosse sua existência poderiam estar sendo investidos no País. Não é fácil explicar para um eleitorado brasileiro polarizado a gravidade desse problema. Mais fácil é sair por aí falando em trilhão de reais daqui, trilhão de reais acolá. Mais fácil é falar por alto em reforma da Previdência sem nada detalhar. O problema é que 2019 está logo ali e o quadro internacional hostil de agora só tende a piorar.
Entre 2008 e 2010, lembro-me de participar de discussões e debates em que nós economistas olhávamos com incredulidade a resistência dos países emergentes ante o tumulto internacional. A surpresa era ainda maior quando considerávamos a antes sempre vulnerável América Latina. Ganhamos dez anos de alívio. Mas agora, acabou.
Fonte: “Estadão”, 12/09/2018