Vivemos no país de 30 partidos, onde nenhum deles alcança 11% da Câmara; onde, sem a aprovação de reformas, haverá uma crise; e onde a vida de todos tem se tornado bem difícil. Onde muitos que estavam empregados deixaram de estar; onde empresas foram fechadas; de onde o capital humano formado nas melhores universidades começa a emigrar, como uma sangria.
Evitemos a discussão sobre o que nos divide em 2018. O mercado pode dar uma lua de mel ao eleito. Porém, imaginemos que, depois disso, os problemas se prolonguem quatro anos e que, em 2023, assuma um presidente que no primeiro turno tenha tido, digamos, 24% dos votos válidos, num contexto em que a soma de abstenções, brancos e nulos corresponda a 35% do eleitorado. Isso significa que seu nome terá sido votado no primeiro turno por 16% do eleitorado. Com dificuldades para compor a base aliada, os investimentos demoram, o consumo não aumenta e, em 2023, o crescimento do PIB é de apenas 1%. O governo perde popularidade, o desemprego aumenta, e começam os primeiros pedidos de renúncia do presidente. Com fuga de capitais, o dólar é pressionado, e a inflação é de 18%. Após uma derrota fragorosa dos candidatos do governo a prefeito em 2024, os parlamentares abandonam o presidente, que é forçado a renunciar no começo de 2025. O grande objetivo do sucessor é chegar a 2026. Em 2024 e 2025, o PIB encolhe. Em 2025, numa economia sem rumo, a inflação alcança 22%. O número de assassinatos por ano, que era de 70 mil, supera 80 mil homicídios. Os principais colégios de elite do Rio de Janeiro e de São Paulo começam a conviver com redução no número de estudantes de 15% a 25%, porque os alunos migram cada vez mais para a Europa e os Estados Unidos. Há também movimentos migratórios para Chile, Uruguai e Colômbia. Por falta de condições de manutenção, o abastecimento de água é ameaçado em duas das 27 capitais. Para 2026, devido à escassez de investimentos, a falta de chuvas, mesmo com a economia paralisada, ameaça gerar a necessidade de um corte de 20% no consumo de energia, como no ano de 2001. As primeiras previsões para 2026 indicam queda do PIB de 2% e inflação de 30%. Nessas circunstâncias, os economistas projetam desemprego de 17%. A população se revolta. Mais e mais gente defende o fechamento do Congresso e a volta das Forças Armadas ao poder.
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Alguém entende que estamos lidando com hipóteses absurdas? Ainda que em câmera lenta, seria uma descida ao inferno. A vida de todos os brasileiros sofreria uma degradação gradual. O dia a dia seria cada vez mais penoso. Sair à rua, cada vez mais perigoso.
Corte para o que alguns leitores podem estar pensando: em que consistiria uma intervenção militar que mudasse certas características da vida nacional, mas não outras? Num governo que fechasse o Congresso, mas garantisse a liberdade de expressão? E como ficaria o Judiciário? E os governos estaduais? O que aconteceria quando uma manifestação contra o governo militar reunisse 500 mil pessoas, o STF declarasse o governo ilegal e um juiz mandasse prender o general que exercesse a presidência? Em 24 horas, isso levaria os tanques às ruas. Um simples raciocínio leva à conclusão de que não existe meia ditadura, como não há meia gravidez. Se o processo democrático for interrompido um dia, teremos uma ruptura que irá cindir o país por anos, como ocorreu depois de 1930 e 1964.
O novo governo terá cinco grandes desafios: preservar a estabilidade, aprovar uma agenda de reformas no Congresso, equilibrar as contas públicas, sair da estagnação e pacificar o país. Para isso, o entendimento é necessário. O Brasil precisa recriar as condições para avançar. Sem harmonia entre os Poderes, nosso futuro será sombrio. Detalhe: só nos últimos 15 dias, quatro amigos me informaram do desejo de ir embora do país. Cansaram da estupidez, da incompetência e da vulgaridade. Concluíram que o Brasil é incorrigível. Um deles me disse: “Viramos uma grande Honduras.” Como diria o poeta, dialogar é preciso.
Fonte: “O Globo”, 23/10/2018
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