Discurso dos “direitos” parece admirável, mas é antidemocrático
“Querem tirar direitos!” é a objeção indignada que serve para todas as reformas que o governo propõe: ao PL da terceirização, à PEC da reforma da Previdência, à PEC do Teto. Quem reproduz esse discurso sinceramente — quem encara a política como a tarefa de defender e expandir direitos– julga estar em uma cruzada moral. Mas é justo aí que promovem o maior mal. O discurso dos direitos parece admirável, mas é antidemocrático e nos cega para os reais dilemas da política e da ação do Estado.
Ao dizer que algo é um direito, estamos afirmando a obrigação que “a sociedade” tem de prover aquilo. De onde sairão os recursos para isso, ninguém sabe. A noção de direito ocupa, no discurso atual, o papel do velho imperativo categórico ou do mandamento divino: é uma obrigação incondicional, algo que deve ser feito independentemente da dificuldade ou das consequências que porventura gere.
Se algo — digamos, a aposentadoria integral de um funcionário público — é visto como um direito, ele sai da esfera da deliberação democrática. Se seu adversário quer violar direitos, ele não é um interlocutor democrático legítimo, mas um inimigo que deseja o mal. A persuasão de quem pensa diferente dá lugar ao moralismo acusatório contra supostos interesses escusos. Assim, quanto maior nossa esfera de direitos inegociáveis, menor a esfera de deliberação democrática.
Infelizmente, declarar que alguma coisa desejável é um direito não nos ajuda rigorosamente nada na tarefa de levá-la a um maior número de pessoas. Se assim fosse, a Constituição de 88 teria produzido o país mais desenvolvido do mundo. Acontece que a afirmação de um “dever ser” não cria nada. Pelo contrário, ao mudar a chave com que olhamos a realidade, seu efeito é destrutivo: a partir do momento que um direito não está sendo cumprido, em vez de pensar soluções, procuramos culpados.
O direito é também uma trava mental que nos impede de pensar friamente nas consequências de nossas propostas. Será que o desequilíbrio fiscal não nos levará à falência? Será razoável o Brasil gastar com aposentadorias o mesmo percentual do PIB que o Japão, um país de idosos? Será que nossa lei trabalhista, ao encarecer a contratação, não produz mais desemprego e informalidade? Se estamos falando de direitos, nada disso importa; devem ser cumpridos e ponto final. Faça-se a justiça ainda que o mundo pereça.
Hoje, a falência desse modo de pensar grita em nossos ouvidos. Temos direitos demais para orçamento de menos. A conta não fecha. Simplesmente não dá para todo mundo. O lindo discurso de criar sempre mais direitos nos trouxe o rombo fiscal que põe todos os direitos em risco.
Como exercício de uma política menos moralista (e portanto mais democrática) e mais atenta às demandas da realidade, proponho abolir os direitos da discussão. Em vez de obrigações difusas que não trazem consigo nenhuma ferramenta para sua efetivação, precisamos aceitar a necessidade de escolhas e de trocas. Não invocar direitos, e sim elencar prioridades e medir consequências. Não dá para dar tudo a todos; mas dá para identificar o que é mais importante e focar recursos aí. O resto é um perigoso conto de fadas mascarado de virtude moral e a serviço do interesse de demagogos.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 29 de março de 2017.
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