Por catorze votos a seis, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado rejeitou parecer do senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) favorável ao projeto de lei aprovado pela Câmara, o qual estabelecia multa de 50% do valor pago pelo comprador de imóvel que desistisse do negócio.
Somente a desinformação pode justificar erro tão grave. No Senado, é verdade, há gente que tem ojeriza ao lucro e olha empresários com desconfiança, preferindo que a atividade econômica seja exercida sempre pelo Estado. Mas é uma minoria.
Assim, a maior parte dos senadores contrários ao projeto pode ter sido influenciada pelos que fizeram campanha contra a medida, com destaque para órgãos de defesa do consumidor, não raramente compostos por mentes anticapitalistas.
Os distratos são uma aberração do nosso mercado imobiliário. O comprador pode desistir unilateralmente da compra de imóvel de condomínio em construção. Além disso, consegue que um juiz condene a construtora a devolver as parcelas pagas, acrescidas de correção monetária, um golpe adicional. Isso não existe em nenhum lugar sério.
Leia mais de Maílson da Nóbrega
Está em curso uma revolução do crédito no Brasil
O Judiciário contra o desenvolvimento
Senado pode remover forte obstáculo à construção residencial
A desistência provoca desequilíbrio econômico do empreendimento. No Brasil, isso é facilmente demonstrável, pois os condomínios são construídos sob o regime jurídico do patrimônio de afetação, isto é, a obra se contém em si mesma. Caso a construtora quebre, as obras poderão ser concluídas por outra empresa. Essa inovação visou a evitar casos de falências que interrompiam a construção e prejudicavam os compradores.
Em outros países, a desistência é punida com multa ao comprador faltoso, que costuma receber o valor já pago apenas depois que a construtora encontrar interessado em substituí-lo no contrato. Aqui, poder-se-ia discutir se a multa era excessiva, não a medida.
O desequilíbrio prejudica os demais condôminos, pois costuma provocar atrasos na conclusão das respectivas obras e aumentar os seus custos. Dependendo de sua extensão, os distratos podem desestimular o lançamento de novas obras, em prejuízo tanto da atividade econômica quanto da geração de emprego e renda. E, como se sabe, a construção civil é absorvedora de mão de obra de mais baixa qualificação. Por tabela, o desistente e o juiz que o apoia conspiram contra trabalhadores de menor renda.
É difícil acreditar que os catorze senadores desconheçam essa realidade, mas é isso que transparece de sua decisão de votar contra o projeto. Por isso, cabe um esforço do governo e das lideranças da construção civil para esclarecer tanto esses senadores – que podem ter agido de boa-fé – quanto os que, no plenário, decidirão manter ou rejeitar sua decisão, neste último caso aprovando o parecer do senador Ricardo Ferraço.
Fonte: “Veja”, 11/07/2018